A última hora.

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Finalmente aconteceu. Não foi do jeito que eu imaginava mas, aconteceu.

Agora, nenhum livro, filme de ficção científica ou qualquer outro tipo de regra de sobrevivência que já li poderão nos salvar.

Mesmo em meus sonhos mais loucos ou, nos livros mais estranhos que comprei nos sebos da cidade eu pude imaginar que o dia acabaria desse jeito.

Lovecraft, com toda a sua mitologia de Cthulhu, e Stephen King, com todas as citações no livro da Torre negra que falavam sobre dimensões paralelas, chegaram perto da possibilidade derradeira desse momento.

Enfim, nem eles conseguiram imaginar que o fim chegaria de uma maneira tão súbita pois, o relógio da cozinha marca agora 16h15min. Exatamente uma hora antes do início do fim.

Enquanto sessenta minutos separam toda a humanidade de seu destino, só me resta ficar em casa e repensar sobre tudo o que vivi e, tudo o que vou perder.

E se você já ouviu a expressão: Nerds também amam. Então repense isso. Nerds amam as coisas de uma maneira muito maior do que a grande maioria das pessoas.

Amamos nossas coleções, nossos filmes, manias e amigos. Só temos dificuldade pra expressar isso, porque somos Nerds.

Então, diante da triste verdade, eu tento repensar toda a minha vida. Resolvo fazer isso com cuidado pois, mesmo tendo tão pouco tempo, a vida de um nerd está ligada aos objetos que ele tem apreço.

Vagueando pela casa sem rumo, vou passeando por cada cômodo, tocando cada objeto e relembrando, com profundidade, cada uma de minhas inúmeras e preciosas lembranças.

É claro que não consigo ficar meditando como um monge de vigésimo nível do D&D. E também não consigo orar para um deus neutro, como se fosse um clérigo que aceita tudo com naturalidade e entrega seu coração para suas últimas orações.

Eu sou um Nerd! E com orgulho, tenho uma maneira particular de repensar o passado e refletir esses últimos momentos.

Assim vou passando os olhos e manipulando tudo o que tenho em casa, primeiro mexo nos livros de minha biblioteca e relembro todas as emoções e mundos que visitei, depois folheio minha coleção de quadrinhos e penso que alguns poderes e heróis viriam a calhar agora.

Por fim mexo no armário das miniaturas e nos inúmeros gadgets que normalmente estão espalhados pela casa.

É engraçado pensar que Asimov, o escritor e mestre dos robôs, tinha razão ao dizer que a espécie humana apenas pode permitir uma guerra. E essa guerra seria contra sua própria extinção.

Agora, infelizmente, o resultado dessa guerra se aproxima. E eu já sei que perdemos.

Pensar nisso me faz olhar para um abismo pessoal e ele, quando olha de volta, só me envia um gemido fundo, um sussurro que contém a essência de todos os monstros e vilões que assustaram minha imaginação durante toda a vida.

E é nesse momento, entre a respiração entrecortada de Darth Vader e o grito do Xenomorfo Alien, que eu escuto nitidamente a voz de Hannibal Lecter dizendo bem no fundo de minha mente.

- As cicatrizes servem para nos lembrar de que o passado foi real.

É, realmente. E eu tenho muitas cicatrizes. Algumas delas me perguntam sobre o que resta em mim para amar. E outras me dizem para nunca perder a esperança.

E é apenas por isso, motivado por essas cicatrizes de batalha que eu continuo vagueando por minha casa, meu caern particular, enquanto espero pelo momento derradeiro.

A última hora na vida de um Nerd.Where stories live. Discover now