A morte

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"O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela."

Fernando Pessoa

-       Hoje é um dia de grande tristeza para todos nós

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- Hoje é um dia de grande tristeza para todos nós...

Luísa parou de prestar atenção por aí. Todos nós? Sério? O que ele tinha a ver com isso? Por que estaria triste? Ele não a conhecia, nunca falou com a minha mãe, tudo o que sabe sobre ela está escrito num pequeno papel, informações soltas sobre a personalidade e conquistas dela que meu pai tinha escrito com grande esforço entre lágrimas e soluços. Ele não sabia que minha mãe detestaria a roupa que eu estou usando, que teria implicado com meu cabelo e que hoje seria um dia importante para ela pois haveria uma auditoria no Hospital para qual ela vinha se preparando há semanas. Não conhecia a sua risada, seu jeito impositivo, sua maneira de fazer todos concordarem com suas ideias, mesmo que não acreditassem nelas. Não sabia que minha mãe sonhava que eu me tornasse médica e que meu pai viesse a ser um grande escritor. E que nós nos sentíamos medíocres por não corresponder aos seus sonhos...

- Diante da morte todos os homens são iguais...

Minha mãe teria odiado essa frase - Os lábios de Luísa se contraíram numa tentativa de disfarçar uma risada sarcástica - Aliás, ela teria odiado isso tudo. As flores, tão comuns, o discurso ensaiado do padre, o ar de desespero do meu pai, as conversinhas sussurradas por um público menos interessado. Mas, ela teria gostado da multidão que tinha se reunido num domingo de manhã para se despedir dela. Do seu corpo arrumado no seu tailleur predileto, do seu rosto bem maquiado, como ela usava em noites especiais, com o cabelo preso num coque revelando a sua pele bem cuidada. Ela não estava sorrindo, não seria apropriado, mas também não estava triste. Tinha um ar orgulhoso. No que ela estaria pensando quando morreu?

- Que aceitemos ou não, a morte é o salário do pecado...

Credo! O que esse homem está falando? Eu não acredito nisso. Minha mãe não acreditaria nisso. Acreditaria? Aliás, por que estamos fazendo um enterro católico. Não somos católicos. Somos? - Lembrou-se da estante da entrada de casa com um Shiva colorido que sua mãe ganhara de uma amiga que tinha feito uma viagem à Índia. A pequena estatueta estava ao lado de um livro sobre divindades xamânicas que estava suportado por uma réplica de um Buda Deitado. Pensou em Teresinha, a antiga babá de Isabela, a primeira a aparecer após a notícia de sua morte com uma mensagem do Terreiro de Bábá Larê em Pirituba  - ela está em paz - prometendo uma oferenda a Iansã. Lembrou-se de rezar com sua mãe, quando pequena, para um anjinho da guarda, de ir ao Bar Mitzvah de alguns amigos de escola e de nunca ter entendido o que é a Páscoa - No que a gente acredita?!

- A morte não é o fim.

- Não? Então onde está minha mãe agora? - Luísa não tinha percebido que tinha falado alto. O padre interrompeu o sermão. Uma senhora de quem Luísa não se lembrava se aproximou e disse:

- Isabela está no céu, ao lado de Jesus e de muitos anjinhos...

Luísa riu. Não queria ter feito, mas fez. Riu alto e desdenhoso. E acrescentou:

- Sei... Pagando os seu pecados com a morte? Vocês não conheciam ela. Deixem ela em paz... - e saiu correndo.

Velas dançantes, suspensas por candelabros dourados de estilo rococó produziam um jogo de sombras nas cortinas de veludo cor de vinho tinto que emolduravam o longo caminho que levava a uma majestosa porta com anjos e imagens celestiais entalhados. Entreaberta, a porta deixava passar um feixe de luz rosado e uma suave melodia de Schubert.

Exatamente como eu tinha imaginado.

- Vão em paz!

Como ele poderia ir em paz? Isabela tinha ido embora. Depois de 30 anos sendo dois, Ricardo tinha voltado a ser um. Um... não. Ele tinha uma filha. Luísa. E não tinha a menor de ideia de como ser pai sozinho. Foi atrás dela.


*** Oiê! Bem vindos ao meu primeiro livro de ficção! Espero que se divirtam lendo o tanto que me diverti a escrever. E podem seguir com a leitura que, como bônus de lançamento, tem mais um capítulo já publicado (que eu gosto muito). Não se esqueçam de votar (na estrela) em cada capítulo!!! Até já!

Como fazer amigos e influenciar pessoas depois de morto - DEGUSTAÇÃOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora