Fevereiro I

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Primeiro dia de aula. Quem foi que inventou todos aqueles clichês que a gente tem que passar nesse dia? Quem foi que disse que tem que ser difícil, que tem que ser doloroso e tal... Não sabia do que estava falando.

É imensamente pior. Muito. Pior.

A escola era a mesma, os professores eram praticamente os mesmos – a gente conhecia todo mundo e todo mundo se conhecia, já que entrar ali era uma questão de contatos, como minha mãe gostava de se gabar de vez em quando para as amigas do serviço ou as vizinhas. Então qual era o problema em ser o primeiro ou o último dia de aula?

Simples: tudo.

Quando desci do carro na segunda-feira seguinte eu sabia que o dia ia ser cheio. Era hora de conhecer os professores novos, separar as matérias no caderno, saber quem tinha ficado e quem tinha ido para as outras salas... O pior de tudo eram os comentários sobre as férias. Todo mundo ia ficar perguntando o que você tinha feito, aonde tinha ido, com quem... Isso era muito cansativo. Principalmente porque eu não tinha nada a declarar sobre o assunto. Nada mesmo.

Mas, ao entrar portão adentro, percebi que não só isso ia ser cansativo. Maria estava roendo as unhas dos dedões, sentada ao lado das escadas que levavam ao hall do prédio, abraçando a mochila. Suas mechas no cabelo eram roxas, escuras, quase da cor natural do cabelo dela. Quase como se ela quisesse disfarçá-las...

Assim que me viu, ela se recuperou do choque de estar sozinha e veio na minha direção, saltitando como um cabritinho medroso.

– Não quero subir as escadas sozinha! – ela choramingou. – A gente tem que passar na frente de todo mundo agora! Todo mundo fica olhando quem sobe as escadas, você sabe.

Isso era um fato. Os andares superiores do prédio do colégio eram destinados às salas dos primeiro ao terceiro ano colegial, os laboratórios e tudo o mais que fazia parte desse mundo que agora era o nosso. Os andares térreo e o subsolo eram do ensino fundamental, onde havíamos passado seis anos da nossa vida. Subir era assustador.

Mas era preciso, então respirei fundo enquanto ela enlaçava o braço no meu e fomos pisando em ovos.

Estava todo mundo ali. Todo mundo que a gente conhecia, se contorcendo nos cantos para não ser notado – bem, quase todo mundo, já que uns gostavam mais de aparecer que outros. Nos andares de cima, os veteranos se debruçavam sobre as grades para enxergar nossas cabeças passando, adivinhando quem éramos e fazendo piadinhas com qualquer coisa. Vi meus primos gêmeos de relance, mas eles não se viraram na minha direção. Estavam mais preocupados em checar o material feminino da área, digamos.

A primeira pessoa que de fato vimos foi, obviamente, a Natália. Ela estava no corredor, exibindo seu bronzeado de praia, suas pulseiras multicoloridas feitas por indígenas e rindo de qualquer coisa que suas amigas contavam. Rindo alto, escandalizando, já que o barulho ia e voltava num eco irritante no corredor de azulejos bege.

Tentando ignorá-la, Maria e eu fomos direto para a sala, que seria a última do primeiro andar. Estávamos na mesma classe, minha mãe me confirmara no dia da reunião de início de semestre que os pais haviam tido na semana anterior. Por via das dúvidas, havia um papel pregado na porta de cada uma das salas com os nomes de seus ocupantes, mas ninguém ligara muito para eles.

Nossos pais eram uns fofoqueiros, isso sim. O suspense da separação de turmas já era passado.

Natália também estava na nossa classe, para nosso deleite. Ela e o Carlos, o garoto mais popular do ensino fundamental todo – e provável candidato a mais popular da escola, agora que estávamos no ensino médio. Capitão do time de futebol, cheio de namoradas e de músculos, ele era o que arrancava suspiros – e algumas ânsias de vômito de nossa parte. Só para manter sua fama de garoto-exemplar, ele havia escolhido a primeira carteira da primeira fileira perto da porta.

Essa era uma parte importante, veja bem. A carteira que você escolhesse no primeiro dia seria aquela que te acompanharia provavelmente pelo resto do seu período escolar. Havíamos nos sentado nos mesmos lugares durante todo o ensino fundamental – salvo algumas vezes em que os próprios professores nos faziam mudar por causa da conversa, ou da bagunça, ou dos dois.

Assim que entramos a maior parte delas estava ocupada por mochilas ou pessoas. Muita gente havia permanecido mais ou menos no mesmo molde dos anos anteriores, mas havia algumas mudanças já que a sala e a turma eram menores. O círculo de amizades do Carlos, por exemplo, havia diminuído bastante. Dos seis seguidores que ele costumava ter, só três estavam na nossa classe. Os outros três estavam espalhados nas outras duas turmas desmembradas. Eles eram os sete garotos-popularidade e provavelmente nem essa separação iria tirar esse título de todos eles; a concorrência era quase nula, diga-se de passagem.

De qualquer forma, assim que entramos a Maria localizou duas carteiras vazias na fileira mais afastada da porta, ao lado das janelas. A terceira e a quarta, para onde nós nos dirigimos sem pensar. Era nosso lugar habitual também, ela na frente e eu na carteira de trás. Assim que acomodamos nossas mochilas e sentamos na cadeira de plástico branca e azul, até a respiração parecia mais fácil. Uma parte do processo estava concluída, finalmente. E sem muitas dores, só alguns cochichos por parte dos outros alunos e alguns “olás” e “e aís?” dirigidos a ninguém em particular e com nenhuma vontade de resposta.

Pelo menos até então nada havia mudado muito, o que era bom.

Aprendendo a Gostar de Garotos {Aprendendo I}Onde as histórias ganham vida. Descobre agora