Março II

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É engraçado quando você lê um livro ou vê um filme em que os personagens aparecem meio fora de órbita, fazendo coisas que eles nunca esperariam fazer ou surtando de uma hora para outra. Sabe? Tendo ataques histéricos e essas coisas – que normalmente vêm acompanhadas de possessões demoníacas em alguns ramos da arte. Eu gosto de ver filmes e, de vez em quando, muito de vez em quando mesmo, de ler alguma coisa, então já havia visto esse tipo de comportamento diversas vezes. É o tipo de situação que minha mãe olharia para a TV toda indignada e xingaria com o controle remoto na mão, ou voando através da sala: “mas por que diabos ela fez isso? Ela nunca faria isso! É estúpida ou o quê? Isso não é do feitio dela!” e blablablá. Já vi acontecendo, acredite. Inclusive com o controle voador.

O que a gente nunca espera é se ver numa situação dessas. Com direito a surtos psicóticos e tudo (menos o controle voador, apesar de que mamãe teria adorado atirar alguma coisa em mim se me visse naquela hora, com certeza).

Quando parei de andar, percebi que estava tudo escuro ao meu redor. A casa da Natália era um pontinho de luz bem distante. Eu nem sabia como havia andado tanto em tão pouco tempo! Se é que havia se passado tão pouco tempo assim... Quero dizer, meu senso de direção não estava lá muito bom, talvez o senso de tempo também estivesse falhando.

E pra piorar, o que eu fiz? Nada. Só parei de andar, agachei onde estava e enterrei minha cabeça nos joelhos. Se tivesse um buraco no chão eu teria me enfiado nele, como um canguru (não é o que dizem?), mas infelizmente não tinha e, ei! Já mencionei que estava escuro pra caramba? Muito, muito escuro mesmo. Não faria muita diferença o buraco, já que ninguém conseguiria me enxergar fora dele naquele breu. Nem eu mesmo.

Tentei não pensar em muita coisa enquanto me retorcia nos calcanhares. Tentei não pensar em como eu havia gritado com a Maria, ou feito uma cena na primeira, única e muito provavelmente última festa que eu iria. Uma cena que repercutiria no colégio inteiro por eras, eu tinha certeza. Se eu fosse o tipo de gente que gosta de atenção, espetáculos e etc, estaria me vangloriando agora. Mas, até onde eu me conhecia, eu, Luiz Eduardo de Menezes, era exatamente o contrário desse tipo de pessoa. Eu não gostava de atenção, não gostava dos holofotes, não gostava que se intrometessem nem que falassem de mim – por bem, ou por mal, pela frente ou pelas costas. Eu só queria seguir minha vida quietinho, sem ser notado... Mas como eu mesmo adorava me boicotar, ali estávamos, Luiz Eduardo e sua Consciência lhe lembrando muito bem que as coisas seriam exatamente diferentes dali pra frente. Exatamente.

– Luiz! - ouvi uma voz gritando meu nome, mas como minhas orelhas estavam enterradas nos meus joelhos, foi difícil distinguir se era só minha imaginação ou se estava realmente acontecendo. - Luiz!!!!!!!

Mais uma vez, mais alto. Levantei a cabeça. Estava definitivamente acontecendo.

Tirei o celular do bolso e liguei o visor. Logo vi uma outra luzinha semelhante balançando no meio do nada e tropecei na direção dela. Literalmente tropecei, porque o chão era todo de terra, e havia raízes por todos os lados. Como eu não sabia exatamente onde estava a estrada, tive que seguir a luz na escuridão sem qualquer noção de onde pisava. Como eu havia chegado ate ali, com todo esse meu charme de estabanado ambulante?!

Luiz!

Antes mesmo que eu pudesse me aproximar da luz do outro celular, eu vi a silhueta e soube quem era. William.

Nós topamos um no outro um minuto depois. Só então percebi que estava sem fôlego, completamente exausto. Tive que me abaixar para me acalmar, quase sentei no chão mesmo, mas ele me alertou que poderia haver formigas, cupins e outros bichos que não saberíamos nomear e que poderiam me causar algum tipo de ferimento – ou alergia. E de uma coisa eu me lembrei e tiver certeza naquela hora: eu era bom com alergias.

Aprendendo a Gostar de Garotos {Aprendendo I}Where stories live. Discover now