A CAIXA

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Se você for criado em uma caixa de papelão, tudo o que você conseguirá reconhecer será a textura áspera, a cor parda e os cantos da caixa. Mas uma caixa de papelão não é à prova de som, você ainda poderá ouvir os sons que vem de fora dela. As buzinas de um trânsito infernal, o miado de um gato, a resposta de uma pergunta, a música alta de uma festa, e se tudo estiver bem silencioso, é só se focar mais um pouco e você conseguirá ouvir a respiração de alguém.

Sempre tem alguém do lado de fora, seja humano ou não. Talvez você seja o tipo de pessoa que goste mais de gatos ou de cachorros. Talvez você goste de aves ou de peixes. Ou de répteis ou de aracnídeos. Talvez você goste de plantas. Ou talvez você seja um daqueles loucos que goste de seres humanos. Mas não importa, todo mundo gosta de um ser vivo e todo mundo tem a companhia de um ser vivo.

Isso é o que nos faz ser humano: o apreço por outra vida.

Até mesmo um psicopata tem apreço pela vida ao torturar a sua vitima. Ele só se sente bem fazendo aquilo porque a sua vitima está viva e sentindo dor, se não estivesse, qual seria o sentido?

Uma caixa de papelão também não é 100% impenetrável. A luz ainda passa por algumas frestas. E por ela não ser totalmente impenetrável, ela pode ser destruída. Por fora, ou por dentro. Basta querer.

O papelão quando molhado se desmancha.

Se você vive em uma caixa de papelão, você vai passar fome, sede, solidão, desconforto, medo, ansiedade, preocupação e desespero. Em algum momento nessa sua vida medíocre vivendo em uma caixa de papelão, você terá que chorar. E se você chorar, o papelão irá se molhar, e se o papelão se molhar ele irá desmanchar.

Mas a vida dentro de uma caixa de papelão não é um livro do Lewis Carrol, onde você chora e se forma um riacho com as suas lágrimas. Se duas ou três lágrimas atingirem o chão da caixa de papelão será muito. Você precisa chorar mais.

E quanto mais você chora, mais frágil o papelão fica. Você não tem armas. Não tem uma tesoura, não tem um estilete, não tem um bastão de beisebol, suas lágrimas são a sua arma. Elas são as únicas coisas que te separam do lado de fora.

Sim, eu disse anteriormente que havia alguém do lado de fora. Mas você viveu toda a sua vida dentro de uma caixa de papelão, sozinho, nunca disse uma palavra, porque nunca ouviu uma, e quando ouviu, era só mais um som qualquer. Como você iria clamar por ajuda sem emitir uma só palavra? Então você volta a chorar.

Você tem companhia do lado de fora, talvez até pessoas que possam vir a ser seus amigos, mas repito: elas estão do lado de fora.

Eu já deixei claro várias vezes que você está preso dentro da caixa de papelão. Sozinho, para sempre. Tendo a chance de pedir ajuda, mas não sabe como fazê-lo. Então você volta a chorar. De novo e de novo. Até que o chão se rompe e você despenca... E a queda...

Descobrir-seWhere stories live. Discover now