O CONTATO

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O baque contra o chão do mundo real é dolorido. Qualquer baque é.

Você com certeza já entendeu tudo sobre a sua queda: ela foi longa, em alta velocidade e de uma grande altura. Não precisa ser nenhum expert em física pra entender o que isso significa. É só fazermos alguns cálculos que veremos a força com que você bateu no chão. Mas não temos tempo nem paciência para isso.

Obviamente você está machucado. Seus olhos ardem, seus pulmões clamam por oxigênio e há algumas feridas pelo seu corpo, talvez alguns ossos quebrados. Mas você está decidido a explorar o mundo real.

Deixando todo o seu sofrimento de lado - você está virando profissional nisso - você se levanta, e mesmo sentindo dor, arrisca dar alguns passos. 

Mancando, você passa pela entrada da cidade, onde aquelas pessoas zangadas habitam.

Está mais do que claro que você está sentindo dor, que você não consegue se sustentar por muito tempo nessa situação. Quem te olha consegue reconhecer o quão perdido você está. O quão faminto você está.

Você consegue sentir os olhares em você. Você está recebendo atenção, mas não é A atenção.

Será que essas pessoas são tão más ao ponto de negar comida, abrigo, amor, carinho, cuidados a quem está tão necessitado?

Nas cabeças delas só pode estar se passando duas coisas;

A primeira é que você não é uma pessoa confiável. Até o momento atual não pronunciou uma palavra sequer, nunca foi visto por ali, está ferido. Talvez essas pessoas estejam apenas se protegendo. Talvez todas aquelas feições zangadas sejam apenas máscaras usadas para defesa. 

Todo mundo sabe que se você anda por ai sorrindo, todo serelepe, logo, você é mais frágil. "Trouxa". Se você é uma dessas pessoas que andam por aí distribuindo sorrisos, é bem provável que você se dê mal nessa vida. A sociedade faz gato e sapato dos bonzinhos.

Então, logicamente, se você distribuir menos sorrisos e agir com menos emoção, você será considerado mais forte.

A segunda coisa é que elas não queiram que você seja contaminado pela mesma doença psicossocial que elas.

Privando você de situações degradáveis que o ser humano é obrigado a viver, talvez você ainda tenha chances.

Suas feições são de dor, mas seus olhos mostram alegria. Alegria de finalmente ser livre e poder viver entre iguais da sua espécie. Uma alegria que nenhum deles poderia compreender.

Bom, você está feliz, mas do que importa? Só você está feliz. Não tem ninguém pra compartilhar da mesma felicidade com você. Talvez tivesse sido melhor continuar dentro da caixa, sozinho com as suas dores, mas pelo menos você não teria visto como era o mundo real e se desiludido.

Você olha pro alto, a caixa ainda pode ser vista. Dessa distância ela parece uma estrela. 

A felicidade de estar fora dela é grande. Mas pra que estar fora da caixa e não ser feliz como você pensou que seria?

Por um momento, deseja nunca ter sido livre.

Descobrir-seWhere stories live. Discover now