Capítulo II - Athalia

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Cartoff, território norte das Terras do Reino, ano 5495

O sol se escondia por entre as nuvens naquela manhã no vilarejo de Cartoff. Distante de Galira, capital do reino, era um povoado simples, porém farto de suprimentos, pois era o maior daquela região. As casas de pedra e o pequeno templo no centro da vila, pouco iluminadas àquela altura por conta do tempo nublado, ficavam ao lado do maior armazém de suprimentos local, que geralmente ficava lotado àquela hora do dia. Porém, naquele dia, os moradores de Cartoff não estavam comprando e vendendo; ao invés disso, todos se amontoavam em frente ao templo, onde fora montada uma estaca, e gritavam palavras de ódio para uma mulher amarrada á madeira, com os pés em todas espalhadas. Suas vestes eram negras, e ela usava uma capa com um capuz da mesma cor, embora não estivesse tão frio naquele dia. A seu lado, um sacerdote vestindo uma batina branca de certo luxo segurava uma tocha.

—Queime nas trevas, bruxa! – uma senhora murmurou, em meio à multidão, levantando a cabeça e cuspindo na mulher amarrada. Ela nada fez; sequer pronunciou uma palavra. Apenas permaneceu olhando para frente, para onde os cidadãos de Cartoff acreditavam não haver ninguém, mas estavam enganados.

Atrás da porta entreaberta de uma estalagem, vazia àquela altura, uma jovem de vestes simples, nada além de uma camisa, calças e agasalhos de viagem de cor clara, mirava de volta a bruxa. Esguia e pálida, com cabelos negros longos e olhos acinzentados, Athalia caminhou despercebida pelo povo para fora da estalagem, com passos lentos, enquanto o sacerdote erguia a tocha e dizia:

—Que a Progenitora tenha piedade desta alma, e purifique Savinya deste mal por meio das chamas que levarão este corpo pecador.

A multidão ao redor vibrou novamente, exclamando, em conjunto, duas únicas palavras: "queime bruxa". Athalia se lembrava da primeira vez que havia visto a execução de uma bruxa daquele ponto de vista. Fora como se os calafrios em sua pele houvessem demorado um dia inteiro para ir embora, junto ao medo que tudo fosse dar errado. Agora, já com duas décadas de vida, não sentia mais nada disso. O tempo, e, principalmente, a experiência, haviam endurecido suas emoções. Em meio ao coro de ódio, Athalia seguiu em frente, até perto da multidão, e no momento em que o sacerdote aproximava a tocha das toras, ela pronunciou, apenas para seus ouvidos escutarem:

Arientum maharis.

No momento em que as palavras saíram de sua boca, Athalia piscou por um instante, e no que abriu os olhos, sua consciência se projetou pelo espaço até chegar ao sacerdote. Em menos de um segundo, ela sentiu o peso da batina em seu corpo, a madeira já quente da tocha em sua mão direita, e viu, com o canto dos olhos, seu próprio corpo, parado atrás da multidão, com os olhos brancos fixos no infinito.

Olhando rapidamente para o outro lado, Athalia viu a bruxa amarrada a poucos centímetros de si, e a tocha prestes a tocar a madeira que a prendia. Não havia muito tempo. Segurando a tocha com força, Athalia balançou o braço e atirou-a em direção ao povo. O fogo planou pelo ar até atingir, em cheio, a cabeça de um homem de cabelos negros. Em um instante, as chamas o consumiram.

Os cidadãos gritaram. O homem em chamas correu desenfreado, passando o fogo para mais dois ou três que tentaram ajudá-lo, causando um pânico geral. Mas Athalia não prestou atenção em nada disso; nos segundos que ela sabia que seu feitiço ainda iria durar, ela desamarrou sua irmã bruxa, sentindo as cordas queimarem suas mãos, mas não importava, pois aqueles dedos não eram seus. Um instante depois, então, ela fechou os olhos novamente e, ao abri-los, já estava de volta a seu corpo.

Àquela altura, a maioria das pessoas que se amontoava por ali já havia se dispersado, correndo para todos os lados e causando uma grande confusão.

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⏰ Última atualização: Jul 28, 2019 ⏰

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