Mãe-Terra

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Leia ouvindo: Music Celt


Admirar a lua era o seu melhor passa tempo. A forma que as estrelas iluminava a floresta de Virtudiam mexia com o coração e a mente do centauro. Vicente achava que as estrelas pertencia a cada um que já se foi e que a lua era a mãe dos mortos. Conhecidos diziam o quanto ele era criativo, a maioria apenas ignorava. Virtudiam era um mundo tomado pelo vazio. A morte já havia chegado no coração dos vivos muito antes da hora de partir e histórias como as que surgiam na mente do centauro eram consideradas irrelevantes e descartáveis. Nascido em um mundo sem trilha, Vicente mostrava ter esperanças de que o vazio poderia ser preenchido e que os braços da morte não era a única salvação.
Enquanto refletia sob a rocha, percebeu algo na escuridão da floresta. Alguém estaria rodeando as arvores. As pisadas leves foi o que chamou sua atenção. Era uma terra de centauros e mesmo um dos menores deles, nenhum teria a mesma leveza. Vicente desceu a rocha e se direcionou até as arvores. Não estava surpreso quando chegou ao local, como sempre, tudo permanecia como sempre esteve. Vazio. Ao voltar para o ponto inicial, viu novamente as delicadas pisadas que surgiam próximo as arvores. Pensou em seguir, mas no que isso levaria? Curiosidade não sentia e medo praticamente não existia, mas seu pensamento foi alterado assim que avistou ainda de longe uma longa saia preta ao vento. Curioso, se aproximava da criatura e por conta da imensa escuridão, não conseguia ver o seu rosto. A criatura estava paralisada, estava sentindo algo que Vicente desconhecia. Medo. Ao tentar tocar, a criatura se estabilizou e correu para o lado oposto, enquanto sua imensa saia negra voava. Se afastando cada vez mais, Vicente olhou para criatura medrosa. Era algo completamente diferente do que ele já havia conhecido. Ficou surpreso ao ver que a criatura tinha apenas duas pernas. Aquilo era incrível para os seus olhos. A luz da lua revelava a pele pálida e o cabelo curto e negro da criatura. Vicente não poderia deixar aquilo escapar. Sentiu que era algo novo, talvez a esperança que sempre sentiu e nunca deu valor. Não procurou pensar muito e logo foi atrás da criatura, que estava desesperada e sozinha. Vicente estava quase ao alcance quando a garota de cabelos negros entrou dentro de uma grande arvore. De imediato, Vicente se encontrava perdido, confuso. Analisando melhor, era perceptível que a entrada para dentro da arvore era mil vezes menor que a verdadeira altura que a criatura mostrava ter. Talvez o que mais tenha lhe surpreendido, foi o tamanho daquela grande arvore, que tinha por volta de quatrocentos metros. Aquilo era assustador e belo ao mesmo tempo. Ele se aproximava da abertura, próxima ao chão. Quanto mais se aproximava, sentia que a arvore crescia ainda mais, ou ele só estava encolhendo. A escuridão reinou ainda mais, Vicente não via mais nada. O frio estava se despedindo e agora sendo recebido pelo calor do verão.
Era inestimável, era assustadoramente belo. A vida estava morando ali, isso fazia lágrimas escorrerem do rosto de qualquer um. Pela mesmo lugar que entrou, o sol também estava na porta, refletido pelas paredes da grande arvore. Observando ao redor, percebe-se que alguém vivia ali. Alguém muito pequeno. Alguém...do tamanhã de um dedo mindinho. O centauro caminhava pelo cenario maravilhado, talvez até assustado pelo desconhecido. Em toda sua vida, era a primeira vez que via a luz do dia. Ali, ele conheceu o oposto da lua, a mãe dos vivos.
Uma mini xícara caiu do alto de uma estante, no topo da arvore. Vicente assistia a xícara cair lentamente, a gravidade era diferente do seu mundo anterior. Os longos cabelos castanhos de Vicente estavam flutuando delicadamente.
-Olá?-Vicente perguntava. A retribuição foi o ecoo da sua própria voz. Ele parecia estar sozinho por enquanto.
A xícara continuava caindo lentamente, algo dentro dela estava brilhando. Ele estica o braço para cima e segura levemente a xícara sem destino. Em suas mãos, ele sente algo se mexer inquietamente. A borboleta levanta a xícara que estava "protegida". Midori era uma pequena borboleta verde amarelada, com olhos grandes e assustados.
-Olá?-Vicente repetia suas últimas palavras sem crê no que estava em suas mãos.
Midori gostaria de cumprimenta-lo, fez algumas tentativas, porém completamente inúteis. Por conta do seu tamanho extremamente pequeno, Vicente não conseguia ouvir sua doce voz, mas esse problema logo foi resolvido com um pouco de tinta. Midori escrevia sob a mesinha que ela mesma havia construído, usava seus pés como pincel e assim mantendo uma boa comunicação com a criatura imensa. Depois de algumas horas, Vicente se deu conta de que já deveria ter se retirado, precisava estar em casa. Mesmo não sendo o melhor lugar, mas apenas o que tinha se acostumado a ficar. Ele segue pelo mesmo lugar de onde havia entrado. Midori voa em sua direção e puxa alguns fios do seu longo cabelo. A borboleta parecia suplicar para que não partisse. Parecia estar sentindo...Medo.
-Preciso estar em casa.-Vicente respondeu com um olhar triste.
Midori ignorou e permaneceu. Permaneceu puxando seus cabelos em desespero, claro que ele não sentia dor mas o esforço ainda valia. A última coisa que ela queria era ficar sozinha novamente.
-Prazer- Assim, ele se despedia.
Na hora da sua partida, as asas da borboleta paravam de bater e tudo ficou cada vez mais leve. Seu corpo era levado para lugar nenhum, a gravidade agora era zero, as suas delicadas lágrimas flutuavam pelo cenário ao caminho do sol. Midori pensou em sair e bater asas até acha-lo, mas sentia medo. Muito medo. Virtudiam era um mundo sombrio e Verudiam, o mundo onde vive, é o completamente oposto. Ao menos em sua cidade natal, existia a luz do dia para lhe guiar.

Talvez ele realmente nunca mais voltasse, talvez ele já estivesse sido morto pelo proprio vazio. Midori não tinha mais tanto tempo para esperar, sua vida já estava encerrando. Infelizmente, borboletas não vivem tanto.
A pequena borboleta, ajoelhada na parede de sua grande arvore, olhava para a abertura que revelava o sol da tarde. Era um dia lindo para se despedir da natureza. Apesar de nunca ter se sentindo o suficiente, se sente orgulhosa de si por ter dado vida ao mundo tão belo, por nunca ter desistido de bater suas asas para manter o seu reinado verde de pé. Vicente nunca soube que a pequena borboletinha era a mãe-terra. Talvez seja por isso que Midori tenha se sentido tão acolhida. Alguém estava a admirando de verdade pela primeira vez, não pela coroa de flores que carregava em sua cabeça, não pela sua beleza mas pelo o que ela realmente era. Pelos seus sonhos e pela sua virtude.
Verudiam é uma terra onde onde as asas não batem, por isso Midori nunca confiou em borboletas, por isso ela sempre tinha medo. Seu mundo era perfeito e essa era a única coisa na qual tinha orgulho. Midori se despede mostrando a beleza externa do seu mundo e a sujeira inferior no coração dos vivos.



O sol se despede junto com a mãe natureza e um novo sol nasce revelando uma nova forma de vida. Hatil.

Quatro AlmasWhere stories live. Discover now