Capítulo 4

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Me lembro do dia exato em que senti que eu era diferente. O momento em que eu percebi que as coisas ao meu redor sempre eram estranhas por um motivo… eu. Estava brincando na hora do intervalo da escola com meus poucos amigos, tinha apenas 6 anos. Um menino, que adorava bater e implicar com as meninas e crianças pequenas, estava atacando novamente. E, daquela vez, ele me escolheu como alvo.

  ㅡ Ei, cenoura fina, o que você trouxe de lanche hoje para mim? ㅡ o menino, que devia ter seus plenos 10 anos, já chegou tirando a lancheira da minha mão.

  ㅡ Solta meu lanche, seu feio! Vou chamar a tia! ㅡ lembro que gritei e tentei pegar meu lanche de volta, mas em vão. O garoto era bem alto para sua idade, e aproveitava a falta de alguns dentes para ser ainda mais amedrontador.

  ㅡ A cenoura quer ser gente é? Quer me enfrentar? ㅡ ele gritou no meu rosto e me encolhi de medo, o que o deixou ainda mais confiante de suas maldades ㅡ Ah, não me diga que vai cholar? A cenolinha tá com fominha, tá? Então come vento! ㅡ o valentão me empurrou no chão e saiu com meu lanche, rindo, junto com seu bando de valentões.

   Essa foi a primeira vez que eu senti ele. Meu poder. A primeira vez que senti ele pedindo por liberdade. Minhas mãos tremiam devido a raiva e a força que me tomou. Meu corpo esquentou de tal forma que eu sentia minhas veias pulsarem em minha cabeça, tão forte e acelerada, que eu precisava fazer algo… então gritei:

  ㅡ Tomara que você caia e quebre seu dente, seu valentão! E que meu lanche dê uma tremenda dor de barriga em você, seu feio! ㅡ ele virou, riu da minha cara e voltou a andar, mas não foi tão longe quanto gostaria.

   Ele deu apenas dois passos quando tropeçou nos próprios pés e caiu com toda a força no chão, não dando tempo de amparar a queda com as mãos. Quando ele levantou, chorando muito, sangue escorria de sua boca para o pescoço. Todas as crianças ficaram espantadas com a cena e logo ele foi levado para o hospital pela equipe de enfermagem do colégio.

   Minha mãe foi chamada para uma reunião de emergência, pois algumas crianças disseram que fui eu quem quebrou os dentes do menino, o que, tecnicamente, era verdade, mas não foi intencional. Ou foi, eu não sabia o que estava fazendo na época. E o resto daquela semana ele não foi pra escola. Estava internado com uma desidratação aguda, devido a uma infecção bacteriana que contraiu de algo que comeu e que ocasionou uma instabilidade em sua flora intestinal.

   Depois disso todos se afastaram de mim no Colégio, e minha mãe passou a me ensinar a controlar meu temperamento e a não falar, nem pensar em nada, na hora da raiva.

  ㅡ Não deixem saber, filha! NUNCA! ㅡ ela dizia a cada dia ㅡ Você é valiosa demais, tranque tudo aí dentro de você, e só abra a porta na hora certa. Não tenha medo quando o dia chegar, é seu destino.

   Eu não entendia muito bem na época, e não deu muito tempo para entender, porque logo ela se foi. A perda da minha mãe foi muito dura para nós, Vanora se tornou minha "mãe" e me ajudou sempre que precisei. Ninguém queria ser meu amigo, todos lembravam do episódio de quando éramos crianças, e eu fiquei marcada como a "Quebra Dentes" por toda a minha vida escolar.

As pessoas tinham medo de mim, os professores tentavam contornar a situação, mas nunca conseguiram, já que eu nunca fiz a menor questão de mudar a opinião deles sobre a minha vida. Pelo contrário, eu fazia piadas quando me importunavam, ameaçava transformá-los em sapos quando me perseguiam pelos corredores da escola, dizia coisas em Árabe para os assustar e saírem correndo de perto de mim. Eu aprendi a me defender da forma que pude. Eles praticavam bullying e eu usava do motivo do bullying para me proteger. E fazê-los sentir medo era minha maior defesa.

Filha da Lua (DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now