1. De volta à fazenda

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1. De volta a fazenda

Conseguia escutar os berros da minha mãe de longe quando cheguei na minha caminhonete. A voz dela ecoava por entre as árvores de laranja da fazenda, a felicidade era tanta que podia até perturbar as frutas. Desde o início do caminho de areia e grama, lá estava ela: no meio das escadas de entrada da mansão, o braço balançando no alto, pronta para dar as boas-vindas para a sua filha.

A animação dela era boa e tranquilizava, mas era estranho ver toda aquela monstruosidade atrás dela, um lugar que um dia chamei de casa. A mansão era um lugar frio — independente do sol — e grande demais para nós. Em casos como o dos meus pais, eu apoiava a procriação exagerada só para que a casa pudesse ficar cheia, mas depois de dois filhos eles ignoraram a ideia de ter mais.

A minha falta de interesse e as brigas com o meu irmão podiam ser os principais motivos.

Quando abri a porta da minha caminhonete, minha mãe já estava correndo na minha direção no meio de toda areia que levantou, vestida de branco e com os sapatos chiques que costumava usar e enviava fotos para me mostrar.

— Minha filha está de volta! — xxclamou, seus braços me puxando para fora do carro.

— Só durante as férias...— avisei, mesmo que ela já soubesse. — Como está a senhora?

— Cheia de alegria! — disse ao me apertar de novo. Consigo ver, pensei.

Dando uma risada, me desvencilhei dos seus braços e fui pegar minhas coisas na caçamba e ela veio atrás de mim, esperando o momento para voltar a me apertar.

— Papai não está?— questionei, mas desconfiava da resposta.

Retirando a mala de tecido do meu carro, segurei ela pelas alças por cima do meu ombro e devolvi o abraço de lado que estava recebendo. No seu rosto, um sorriso miúdo indicava que eu estava certa: papai estava viajando e só voltaria à noite. Levantei as sobrancelhas e girei meus ombros para trás.

— Você sabe como ele é e os negócios estão indo muito bem, — foi o seu comentário ao ver meu rosto — ele precisa se dedicar.

Ela não tinha que me lembrar de como meu pai era, eu sabia. Ele era o homem que dava muita importância para sua empresa e pouca atenção para a sua família num geral, até mesmo pra quem casou com ele muito antes de ele conquistar seu império. Um homem de atenção seletiva, poderíamos dizer: alguém que escolhe quando falar, quando escutar e quando se meter. A vida era mais fácil assim, mas só para ele.

Quando se cresce pensando que seu pai não está escutando é outra situação.

— Junior tá com ele? — perguntei pelo meu irmão, subindo as escadas de pedra, olhando a entrada de arco e a pintura branca e sem nenhuma mancha, uma pintura nova.

— Junior não, foi sair com os amigos.

A resposta veio levemente irritada, o que fez eu mostrar meu primeiro sorriso sincero e grande.

Os amigos nunca tinham nome. Eram amigos do meu irmão que ninguém conhecia e ele preferia que permanecesse assim, por isso só falava: Vou sair com os meninos. Meu irmão sabia e continuava sem dar informações só para irritar, mesmo que ele soubesse que Dona Monique Lages era a simpatia em pessoa. Minha mãe ia gostar qualquer fossem os amigos. O que faltava no meu pai, ela tinha em dobro. Abriria os braços para qualquer fosse a pessoa que meu irmão trouxesse pra casa, enquanto meu pai era desconfiado de qualquer estranho.

Quando entramos na mansão, fiquei questionando ela sobre a vida do meu irmão. As brigas entre eu e o filho homem eram tantas que nós paramos de conversar para que elas não existissem de vez, o que fazia ela me atualizar cada vez mais, sem a menor suspeita.

Garotas, o Sol, e as coisas lindas do universoWhere stories live. Discover now