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A festa de Dia dos Namorados aconteceria em uma boate chamada Subsolo, uma das únicas da cidade que aceitava menores de idade, então era onde acabávamos indo na maioria das vezes. Eu adorava o lugar. A música costumava ser boa, e o ambiente, animado. Em ocasiões especiais, como o Dia dos Namorados, eles sempre pesavam a mão na decoração, além de oferecerem descontos incríveis. É claro que eu não poderia perder aquilo, mesmo não sendo muito fã da data.

Augusto apareceu para me buscar em casa às dez e meia e fomos andando, já que eram só alguns quarteirões.

Ele estava uma gracinha com sua camisa social vinho e os cabelos penteados para trás com gel, dando a ilusão de serem comportados. Eu quase o elogiei, mas me lembrei bem a tempo de que não seria muito legal ficar dando sinais errados para o pobre do meu melhor amigo que não sabia mandar no próprio coração.

Então nós caminhamos basicamente em silêncio, nossas mãos se roçando ocasionalmente enquanto os braços balançavam para a frente e para trás, acompanhando o ritmo dos nossos passos. 

Às vezes eu pensava em como o mundo seria milhares de vezes mais simples se ao menos eu pudesse me forçar a me apaixonar por Augusto. Nós éramos uma boa dupla, e é isso o que dizem, não é mesmo? O melhor namorado é aquele que também é seu melhor amigo. 

Mas, não importava quanto eu me esforçasse, não conseguia entregar meu coração daquele jeito para ele. O que é que tinha de errado comigo?

Augusto abriu a porta à prova de som da boate no subsolo, e então os ruídos da festa tornaram impossível que eu escutasse meus pensamentos.

A decoração era tão brega quanto havíamos imaginado. Coraçõezinhos de todos os tamanhos e materiais enfeitavam o lugar exaustivamente, desde o chão até o globo espelhado no teto. Algumas pessoas usavam tiaras com antenas de coração, que provavelmente haviam sido distribuídas pelos próprios organizadores do evento no começo da festa. Augusto e eu ficamos um tempo apenas absorvendo o cenário e rindo, como se aquilo fosse uma piada interna.

— Por que você não vai procurar uma garota bonita pra dançar? ― sugeri por fim, gritando em seu ouvido para que pudesse me escutar sobre a música. — Eu vou pegar algo pra beber.

Augusto sorriu, pegou minha mão e apontou para o imenso carimbo que haviam estampado ali quando entramos, me denunciando como menor de idade.

— Boa sorte ― disse ele. Eu não escutei, só vi sua boca se mexendo.

Por incrível que pareça, Augusto aceitou minha dica e foi atrás de alguém com quem dançar. Não mencionei nem quis admitir, mas parte de mim não queria que ele se afastasse. Senti um treco pinicar no meu peito. Ciúmes. Só que eu sabia que não tinha o direito de me sentir daquela forma.

Sentei em um dos bancos do bar, escondendo a mão carimbada casualmente.

— Eu quero um shot da sua bebida mais forte, por favor ― pedi, mexendo a cabeça para jogar meus cachos para trás. Era um gesto que geralmente me fazia parecer mais velha, ou assim eu esperava.

O barman deu uma olhada para mim e sorriu de lado. Seu nome era Alex, e ele era bem gato. Tinha os olhos pretos angulados, cortesia da ascendência japonesa, e a pele dourada de sol. Eu o conhecia de outras vezes em que estive na boate e esperava que ele não tivesse uma memória tão boa, ou saberia logo de cara que eu não era maior de idade.

— Posso ver sua mão?

Revirei os olhos e mostrei meu carimbo.

— Isso é injusto ― disse, com um bico que certamente não me fazia parecer mais velha. — Eu faço dezoito em menos de um ano!

— Então, em menos de um ano, eu dou pra você um shot da minha bebida mais forte. ― Alex piscou para mim, colocando o pano de prato no ombro de um jeito estiloso. — Pode ser, Liliana?

Meu estômago se contorceu ao ouvir meu nome e não pude evitar sorrir.

— Pode... O que você tem aí de bom sem álcool?

Alex sorriu como se estivesse a noite inteira esperando justamente aquela pergunta.

― Temos nossos famosos sucos! ― exclamou ele. — Prefere Mamão Tentação ou Banana Bacana?

― Tem suco de uva? ― perguntei, derrotada.

― Hm... ― Ele conferiu as garrafinhas que haviam sido ajeitadas em fileiras na parte de baixo do bar. ― Chuva de Uva! ― Sorriu, feliz de ter encontrado o que procurava, erguendo-a para me mostrar.

Fiquei surpresa em constatar que o nome ridículo do negócio era mesmo "Chuva de Uva". Até o momento eu achava que ele estava zoando com a minha cara.

Alex despejou um pouco de Chuva de Uva em um copo com gelo e o entregou para mim. Enquanto tomava o primeiro gole, meu estômago embrulhou de repente. Um arrepio percorreu meu corpo inteiro e fui acometida pela sensação de que estava sendo vigiada.

Franzi a testa para o suco de uva.

— O que você pôs nessa bebida? ― perguntei.

— Nada que menores de dezoito estejam proibidos de ingerir ― respondeu Alex, com obviedade.

Olhei ao redor, certa de que encontraria algum par de olhos me observando de longe. Mas... nada. 

Não havia ninguém por perto.

Todas as pessoas dançavam na pista e nenhuma delas parecia particularmente interessada na garota fracassada e sozinha no bar. Nem mesmo Augusto ― percebi com desgosto ―, já que ele estava entretido dançando com uma garota lindíssima. Naquele momento, me perguntei(não pela primeira vez) o que Augusto ainda via em mim se, com aquela lábia, podia ter qualquer garota que quisesse.

— Ei, você tá bem? ― Alex, o barman, colocou a mão sobrea minha.

Virei o rosto para ele, sentindo o mundo girar.

— Não sei ― murmurei sinceramente. — Estou com uma sensação de que... ― Parei de falar porque de repente vi, em minha visão periférica, um vulto espreitando. Quando me virei para olhar melhor, não havia ninguém. Voltei a encarar Alex; meus olhos estavam embaçados.— Acho que tô ficando louca.

Ele lançou um olhar suspeito para o meu copo e, sem pedir permissão, levou a bebida aos lábios, ingerindo um gole ou dois.

— Não ― afirmou, mais para si mesmo do que para mim, colocando o copo de volta sobre o balcão. — É só suco de uva mesmo.

— E gelo ― sugeri.

— E gelo ― concordou. — Nada que deixe uma garota muito louca, na minha experiência.

Eu tentei rir. Tentei fazer uma piadinha sobre como ele nunca deveria subestimar o poder de um cubo de gelo. Mas eu estava me sentindo tão estranha que foi praticamente um milagre eu não ter vomitado na cara dele.

— Você não me parece bem ― afirmou Alex. — Quer que eu chame seu amigo?

Ele se referia a Augusto, obviamente. Sempre que eu ia àquela boate, Augusto estava comigo, então não era surpresa nenhuma que nos conhecessem por ali como uma dupla.

— Não, não, não... ― Sacudi a cabeça. — Deixe ele se divertir.

— Mas você não tá bem...

— Eu vou ficar legal ― falei, mas no instante seguinte vi uma sombra passando atrás do bar e gritei como em um filme de terror.

Meu coração disparou de tal forma que precisei me segurar na bancada para não cair no chão.

— Vou chamar seu amigo ― declarou Alex, abrindo a portinha para escapar do bar. Ele colocou as duas mãos sobre meus ombros e me encarou até encontrar foco no meu olhar. — Não saia daí ― disse antes de ir embora.

Como se eu pudesse ir a qualquer lugar naquele estado.

Eu, cupido [DEGUSTAÇÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora