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Augusto insistiu em me levar de volta para casa.

— Desculpa por ter estragado sua noite ― murmurei.

Apesar de saber que, se eu não tivesse insistido, ele nem teria ido à festa para começo de conversa, eu também tinha percebido que ele estava aproveitando bem mais do que eu.

— Não esquenta. ― Augusto sorriu de lado e ajeitou seu casaco sobre os meus ombros. — Está se sentindo melhor?

Fiz que sim com a cabeça, embora não fosse inteiramente verdade. Eu ainda estava com aquela estranha sensação de estar sendo observada e perseguida, porém, toda vez que olhava ao redor, constatava que era tudo apenas fruto da minha imaginação.

Mas Augusto já tinha que lidar com coisas demais para que eu me sentisse no direito de forçá-lo a aceitar a minha mais nova loucura. Então sorri para ele e fingi que tudo estava bem. Porque era o mínimo que ele merecia de mim.

— E aí... ― comecei casualmente, querendo desviar o assunto não só pelo bem dele, mas também pelo meu próprio. Se eu ficasse focando demais naquela minha paranoia sem sentido, provavelmente iria acabar vomitando de verdade. — Quem era aquela garota loira?

— Que garota loira? ― perguntou ele, se fazendo de desentendido.

Mas estava desviando os olhos, o que era um sinal clássico de estar escondendo algo de mim. Eu havia aprendido a lê-lo direitinho após tanto tempo de convivência.

— Como assim "que garota loira", Augusto? ― provoquei, cutucando suas costelas de forma irritante. — Vocês estavam dançando coladinhos meia hora atrás.

Ele bateu nas minhas mãos para me fazer parar.

— Tá com ciúmes, Rodrigues? ― perguntou com uma das sobrancelhas lá no alto da testa.

Eu estava. Mas não do jeito que ele estava pensando.

Eu estava morta de ciúmes no sentido de uma melhor amiga que certamente deixaria de ser o centro das atenções caso ele arrumasse uma namorada. Mas também estava feliz com a possibilidade de ele encontrar uma pessoa que pudesse amá-lo de um jeito que eu provavelmente nunca poderia.

Sorri de lado e revirei os olhos, sem responder nada antes de voltara caminhar.

Ele acompanhou meus passos.

— Melissa é o nome dela ― declarou em tom de voz neutro. — Ela estuda na nossa escola, é da turma B.

— Ela é bonita ― concedi.

Augusto riu, sacudindo a cabeça, parecendo se divertir com minha tentativa de parecer casual.

— Ela é bem bonita ― concordou meu amigo. Ele parou de andar quando chegamos na frente da minha casa, então se virou para mim. Seus olhos refletiam a luz do poste logo acima de nós. Ele passou um longo tempo olhando dentro dos olhos. Sua mente, completamente impenetrável. — Mas ela não é você ― disse por fim.

Em alto e bom som. 

Como se estivesse falando uma trivialidade qualquer, um fato corriqueiro. Como se flertar comigo tão abertamente fosse completamente natural entre nós dois. Completamente aceitável.

Agora era a hora em que eu o repreendia por ficar tentando estragar nossa amizade com aquelas declarações fora de hora.

A verdade era que, naquele momento da minha vida, Augusto era a pessoa com quem eu mais me sentia confortável em todo o mundo. Não éramos amigos há muito tempo, mas ele sempre estava lá quando eu precisava, e eu meio que sempre precisava. Era bom saber que uma pessoa gostava tanto assim de mim a ponto de aturar todo o meu ceticismo e minhas manias esquisitas.

Eu não conseguia nem começar a pensar no que seria de mim se qualquer coisa arruinasse aquela nossa dinâmica. Era por isso que eu sempre precisava brigar com ele, cortar o mal pela raiz.

Mas daquela vez fiquei de mãos atadas. Foi Augusto quem deu a risada final, antes mesmo que eu tivesse tempo de dizer qualquer coisa.

— Boa noite, Rodrigues. Vê se descansa, tá bom? Você tá precisando.

Então se virou de costas e começou seu caminho de volta para a própria casa.

Eu me encolhi em mim mesma, refreando a vontade de gritar para que ficasse mais um pouco. Não queria que ele partisse, e não só porque tinha o estranho pressentimento de que nossa amizade, a partir daquele ponto, nunca mais seria a mesma.

O fato é que, quando Augusto foi embora, me senti insegura, desprotegida e com medo. Aquela sensação de estar sendo observada, perseguida, caçada... retornou com toda a força.

Só que agora não era apenas uma sensação: eu conseguia ver claramente a sombra do sujeito atrás da minha. E ele tinha uma arma.

Eu, cupido [DEGUSTAÇÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora