37- Você está distante

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"Estou rindo com o vidro na boca. Faço o vidro virar dente. O que mastigo se acostuma. Mas não é o que sinto..."
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Não é fácil manter um segredo intacto, tampouco esconder a verdade de alguém que a tem como um de seus pilares. Esconder, ocultar, omitir, mentir para alguém que depositou um confiança em ti, é, quase que, um ato suicida. Um passo errado, uma palavra lançada, e... Bum! Te tornas um alvo momentâneo. Como assim? Engatilhada na arma do traído, a bala mais dolorida, aquela que fere como uma faca, queima mais do que fogo, chama-se: indiferença.

O ser humano pode suportar muitas dores na vida. Pode suportar o abandono, a solidão, a rejeição e até a humilhação. Mas, quando se trata da indiferença... ah, é mais dolorido do que se pensa.

Olhando pela varanda do apartamento, com uma xícara fumegante de chá em mãos, Lia apreciava as gotas bailando pela avenida. Faziam três dias que não aparecia na casa de sua dominadora. Faziam exatos três dias que, não deixava de pensar no quão errada estava em fugir do correio eletrônico. Limitava-se a dar um "oi, estou bem" para ela.

Não era justo, mas, muitas coisas não são justas nessa vida. Agarrando-se a ideia de que, a maior das injustiças, a maior das dores sofridas por Victoria, fora a perda de sua filha, não pararia até descobrir tudo que se deu lá atrás. Como uma mulher que dizia amar outra, com todo coração, deu cabo a uma vida? Como?

Não queria causar intrigas, muito menos ganhar uma inimiga. Mas, isso não estava em seu controle. Pelo dito no dia do "acidente" de Victoria, por tudo que fora contado, aparentemente, sua ex mulher tentaria voltar à sua vida.

Seria jogar sujo. Anos se passaram, coisas mudaram. Votar agora, poderia causar um enorme estrago. E, mesmo que não aja um sentimento de amor romântico envolto, ligando as mulheres, há um elo inquebrantável, mais dolorido: Isa. Ela não nascera, não dera o primeiro sorriso para sua mãe -aquela que desejara tê-la- não dera seus primeiros passos, nem soltara o primeiro "mã..mã". Mesmo que sua vida tenha sido arrebatada, lançada ao nada, sua não existência, choca e aproxima de forma cruel as pessoas que pensaram-na.

Jéssica esteve distante. Por anos. Victoria forçou-se a esquecer que ela estava lá, sendo esse "lá", algum canto da cidade, do mundo. Já que, não poderia apagar sua existência. Recusava-se a saber de um paradeiro, a tirar o curativo com as próprias mãos. Olha-la, mesmo que de longe, seria como sangrar. Como se, a ferida lentamente se abrisse, mostrando que sua profundidade, mesmo depois de anos, era imensa. Então, a hemorragia viria, tornando-se difícil estancar esse sangramento. O que se tem como consequência? A morte. Aquela que se dá por dentro.

Ela não é de ferro, um coração forte bate bem ritmado em seu peito. Mas, não é imune a toda dor. Essa, em específico, não mesmo. É notório seu pesar ao tocar no passado, agora mais presente do que qualquer outra coisa. Ela não demonstra, parece não se importar, porém, no fundo... dói.

A dor não lhe dói unicamente, dói em quem tem uma alma bondosa, carrega na essência, a empatia. Dói, na sua "menina". Que, encontra-se mais envolvida do que o previsto, deixando-se levar por lampejos de "justiça" indo ao encontro de uma história que, parecia um drama com pitadas de horror.

Tomando uma respiração profunda, maneando a cabeça em negativa, Lia caminhou sala a dentro, andando de um lado para o outro. O que faria agora? Faltavam alguns dias até o encontro. Sentia falta da dominadora, do carinho, do mínimo contato. Mas, ficar muito próxima, lhe traria um sentimento prematuro de traição, amargura. Por hora, o cheiro amadeirado que estava preso em sua blusa, aquela que ganhara dela, saciava sua saudade; dava-lhe uma certa tranquilidade. Victoria não estava de corpo presente, mas, de algum modo diferente, sentir seu cheiro... Era quase como, tê-la ali.

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