6. O Grão-Mestre

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A despeito do cajado lascado e membros fraturados, Kurdis era um guldo, e mesmo um bruxo debilitado era capaz de produzir um grande estrago.

"A ordem não deve interferir em questões de natureza política, muito menos por questões familiares. Afaste-se disso, volte para a frente de batalha que é o seu lugar", Kurdis conseguia imaginar o que o superior da ordem diria a ele, caso fosse procurá-lo. Por isso, nem se deu ao trabalho de levar o caso do pai dele ao conhecimento do Grão-Mestre Coltur, residente na capital e principal conselheiro do rei.

Meter-se diretamente com o Príncipe Jorem também não era uma boa ideia, restando assim, visitar diretamente a casa dos Hûr.

A mansão de Murdis Hûr estava sob a sombra do Castelo Or'Ked. Havia criados trabalhando no jardim, os três pavimentos estavam como novos, as paredes pintadas em um tom ocre brilhante. A grade metálica com lanças pontudas cercava a propriedade.

Um bom incêndio traria justiça a este caso, mas moram serviçais ali que não têm culpa pelos atos de seus patrões.

Kurdis apertou seu cajado com força e torceu o rosto, sentindo a dor aguda fazer sua perna repuxar. Tocou a campainha e ficou ruminando enquanto aguardava alguém chegar. Não podia evitar a lembrança de uma conversa ocorrida após receber sua ordenação.

— Por que não posso servir em Tédris, Mestre Lorran?

— Os membros da ordem não devem estar envolvidos em questões familiares. É por isso que sempre somos designados para trabalhar longe de nossas cidades de origem e longe de nossas famílias.

— Quer dizer que não poderei mais ver meu pai?

— Não é isso que eu disse. Em algum momento, você poderia visitar seu pai, ou ele vir visitá-lo, mas é impróprio para um membro da ordem conviver com sua família. A ordem sempre deve estar acima das questões familiares e mesmo políticas.

Ele deixou as memórias de lado quando um dos serviçais dos Hûr veio até o portão atender à sineta. Antes mesmo que ele pudesse dizer algo, Kurdis sentiu o toque de uma mão em seu ombro.

— O Grão-Mestre mandou convocá-lo, irmão Daman.

Kurdis reconheceu Urda, a bruxa alta e magra que mantinha os cabelos raspados e cuja pele negra tinha manchas brancas.

— Em que posso ajudá-lo, senhor? — indagou o serviçal da casa Hûr.

— Bem, me desculpe, mas terei de voltar depois.

Urda apertou seu ombro com força, olhou-o profundamente nos olhos e disse — Sinto muito pelo que aconteceu com Lorran.

Kurdis apenas balançou a cabeça e não conseguiu dizer nada.

— Lorran era muito mais que um bom membro de nossa ordem, irmão Daman.

— Sim, ele era.

Havia uma carruagem do outro lado da rua, puxada por dois murrões pretos, uma espécie de cavalo baixo, peludo e robusto usado como animal de carga e tração.

— Suba, vou conduzi-lo até a Atalaia.

O coração de Kurdis disparou. Suor frio escorreu por sua testa.

Esse assunto apenas está sendo adiado.

— Escute, Daman. Soube do que ocorreu com seu pai. Eu não tive família, então não consigo imaginar o que sentiria se retornasse para casa e descobrisse que meu pai é um criminoso.

Kurdis mordeu os lábios.

— Tão criminoso quanto o rei ou os príncipes corruptos desta terra.

— Se quer um conselho: guarde sua indignação para os kunes.

O Bruxo e a Foice SombriaWhere stories live. Discover now