38. Noite movimentada

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Kurdis congelou em seu assento segurando o garfo no meio do ar, sem acreditar em seus olhos. Olhou para baixo, com a cabeça totalmente inclinada, como se quisesse escondê-la sob a mesa de jantar. Ficou assim por dois segundos e então, voltou a erguê-la. Comeu o pedaço de carne, desviando o olhar da feiticeira Eriana.

Não tenho como me esconder. É melhor eu confiar no trabalho de Novafiz. Certamente ela não vai me reconhecer à distância.

Kurdis continuou comendo e fingindo prestar atenção no que Clinde Jor dizia.

— Sim, claro... — disse para concordar com algo que não fazia ideia.

— É mesmo? — Clinde Jor estava surpreso.

Kurdis acompanhava a chegada de Eriana com o canto dos olhos. Viu que o Duque de Corbal se levantou e foi cumprimentá-la. Ela vestia uma roupa muito elegante com lantejoulas de cristal azul formando padrões lineares e sinuosos. Seus cabelos castanhos estavam soltos e bem penteados. Kurdis nunca a havia visto assim, ela sempre os usava trançados ou amarrados num coque.

Mas o que ela está fazendo aqui? Só pode ser... Está atrás de mim. Certamente o duque vai mostrar a foice... Fui um idiota! Por que fui abrir a boca e mencionar meu nome como antigo portador do item? Sou mesmo um idiota!

— Está ouvindo o que estou dizendo, Sr. Toluco? — Clinde indagou.

— Me desculpe, me distraí... É que vi chegar agora minha conterrânea. — Kurdis bebeu um gole generoso de vinho.

— Ah, a feiticeira kedpirense! — Clinde se inclinou para falar mais baixo, ao pé do ouvido de Kurdis — Se me permite a indiscrição, ela tem umas pernas maravilhosas!

— De fato!

— E vocês se conhecem?

— Eu a conheço de vista. Ela é uma pessoa muito ocupada e requisitada. Fico imaginando o motivo de sua visita.

— Ah, você não ouviu? Chegou ontem uma delegação completa de Kedpir, três navios! O que dizem é que vieram para renovar os acordos entre os reinos devido à chegada do novo reinado. Mas isso é balela...

— Como assim?

Clinde Jor se inclinou, falando mais baixo — Há muitos militares, duas guarnições, vários guldos. Parecem ter sido convocados para reforçar a segurança nos dias da transição. Corre o boato da possibilidade de insurgência, ou de um golpe. Os três candidatos ao cargo de regente também poderiam assumir o trono, caso algo aconteça com o jovem príncipe. Fato é que essa sucessão já está tensa, há anos. Primeiro, o irmão mais velho do jovem príncipe morre num naufrágio. Depois, a irmã do meio e o bebê morrem durante o trabalho de parto.

— Eu não sabia...

— Você não tem vida social, meu amigo! Fica tempo demais entre os livros, isso sim!

— O infante tem apenas quatro anos, não é? Isso daria mais de dez anos de poder ao regente.

— É um bom tempo. Além disso, quem for regente vai poder influenciar na criação do jovem príncipe. Então, você entende, que há muitos jantares sendo oferecidos, muitas reuniões e encontros. É realmente um período turbulento.

— O senhor Gando me disse que o regente será o Velho Samir, primo do rei.

— É... o Duque de Onfas. Mas devido a sua idade e saúde frágil, é possível que renuncie à responsabilidade. Então, a disputa ficaria entre o nosso anfitrião e a Duquesa Cristara.

— E quem teria a preferência?

— A duquesa é prima do rei, enquanto nosso anfitrião é primo em segundo grau. Mas ele vem se apoiando na tese de que o período de regência precisa de uma pessoa com pulso firme e que a duquesa é por demais generosa, indulgente e festiva. Para não dizer que ela é esbanjadora.

O Bruxo e a Foice SombriaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora