3. Despedida

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Anteriormente, em Allison:

Em um futuro distópico, empresas de biotecnologia são consideradas perigosas e a tecnologia avançada está exacerbando a desigualdade social. Allison, uma designer de games, está infeliz em seu emprego e sonha em ser uma artista. Enquanto reflete sobre sua vida, recebe uma ligação. Cinco anos antes disso, João, um homem que sempre sonhou em voar, envolve-se em um projeto de biotecnologia que promete permitir as pessoas voarem como pássaros. No entanto, as coisas não saem como planejado e ele se despedaça logo após seu primeiro voo. As duas histórias se conectam quando ela se torna uma ativista que luta contra os problemas do HUPGrade, mas eventualmente desiste de sua causa depois que a ALTA, uma empresa de bio e infotecnologia, a chantageia.

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— ALLISON APORÃ – a voz de Amber soou estridente no pequeno holophone –, tás PRONTA pra hoje? Heim? – A excitação da amiga, falando com seu sotaque de Floripa, de um jeito cantado tão gostoso, soava como um estimulante que fez o sono sumir imediatamente.

— Estava justamente culpando você, mentalmente, por isso. – Começou a enrolar uma mecha caída do seu coque com o polegar e os dedos, indicador e o dedo do meio, enquanto sorria. – Por que você não está aqui me entupindo de ideias, mulher?! Aí lembrei: é porque ela e a Carla VÃO SE DESPEDIR DA SOLTEIRISSE HOJE! Não que vocês já não tenham feito isso há muito tempo, mas hoje é oficial para o mundo moderno e tecnolo-gicamente triste em que vivemos.

— Allison, sua abobada, eu te amo, mas eu estaria é te chutando a bunda por ainda continuar insistindo em um job que claramente tu odeia. Tô te dizendo isso desde que larguei essa vida de desenvolvedora de games. – Amber estava com o tom levemente provocativo.

— Ah, Amber, o que eu detesto é a tecnologia que deixa os games e apps cada vez menos humanos, se é que algo digital pode ter algo de humano. E também odeio a Ângela 'sem-tatoos' constantemente me dizendo "Blá blá blá o jogador não pode ter dúvidas quando entrar na jornada do game blá blá blá menos intuitivo e mais informativo, isso é o que todos esperam de um app ou game". Ai, ódio.

— Ódio, Alli – Amber chamava Allison assim desde sempre –, é o que estou começando a sentir com a linda da Carla me fuzilando com os olhos aqui, por eu ainda não estar pronta para o nosso encontrinho no Nostalgias. Te encontro lá e prometo ouvir tudo sobre sua constante crise existencial arte versus tecnologia, com todo o amor de sempre, tá bom?

Allison levantou em um pulo de repente, tocando-se da sua falta de noção. Checkpoint alcançado, pensou. Ela já visualizava o trajeto como um layout de level design — cada segmento do caminho era uma fase com seus próprios desafios e power-ups. O Jet Pod da empresa era o portal para o próximo nível, garantindo a vantagem de velocidade e segurança. Avoid the no-go zone, lembrou-se de sua regra de ouro, evitando os bairros mais arriscados que desafiavam os jogadores com obstáculos mais difíceis. Fast-travel unlocked, concluiu, satisfeita com sua estratégia.

— Putz, Amber, desculpa, eu pra variar me achando o centro do universo. Tô indo, vou de JET daqui direto mesmo da empresa e encontro vocês lá!

— Nossa, alguém está chique, não sabia que a Buton tinha sua própria rede de transporte. Melhor mesmo, assim é mais seguro, já está tarde, vir daí do centro pra Trindade essas horas é perigoso de várias maneiras.

— Beleza, vejo vocês lá. – Desligou o holophone com um círculo rápido para a esquerda, também embaixo do anel. Guardou rapidamente o bloco e holobook na sua backbag e, com dois movimentos rápidos pra cima e um pra baixo do seu dedo anelar, mudou a lente dos óculos de grau para noturno, com as lentes imediatamente assumindo o tom azul metileno profundo, enquanto corria em direção ao elevador.

Apertou a tela touch interna do elevador com o polegar, que leu a digital e perguntou em seguida o destino.

— JS – disse Allison e, em menos de 10 segundos, estava na estação Jet Pod Spot da Buton Games. Era quase como entrar numa nave espacial dentro de seu próprio jogo — cada passo calculado, cada decisão tomada, tudo fazia parte do seu "avatar", a designer de games indígena vivendo em Floripa, ultrapassando os níveis com destreza.

Passou pelas três camadas de segurança padrão, movimento de mão com o D-Ring, retina e DNA, deu boa noite para Aex - Apelido para Alex, um segurança de dois metros de altura bombadas, fã declarado de quadrinhos, Sci-fi e cinema. Naquele dia ele estava trabalhando com a camisa do herói Shazam. Allison riu enquanto fazia a saudação Vulcana para o colega.

Stay safe, pequena Indígena – ele disse a frase que falava em todos os dias nos quais Allison usava o transporte.

— Ah, Aex, pra você todo mundo é pequeno – falou, rindo, enquanto passava pelo sensor de movimento, que abriu a porta do Jet Pod.

O Jet Pod era uma pequena maravilha de tecnologia moderna. Navegava sobre trilhos de supercondutores e me agradava que não emitisse nenhum poluente na atmosfera. Pensem em uma cápsula de até seis lugares que lembra um ovo gigante, de metal e vidro hiper-reforçado. Era um sistema de transporte elitizado, reservado para grandes empresas e a pequena parte da população que detinha, como sempre se repetiu na história, muito recurso para isso. Altamente seguro, remotamente acessível, estava nos benefícios da corporação, como serviços médicos e odontológicos seguros. Toda empresa de grande porte oferecia como parte do pacote de contratação dos funcionários.

Enquanto o pod iniciava o deslize, flutuando sobre um trilho magnético, pelos 15 quilômetros que separavam a Buton Games do bar noventista Nostalgias Líquidas, Allison subitamente pensou em algo e ficou tensa.

Ela fez um gesto rápido, tocando a ponta do polegar no anelar sobre o D-Ring, abrindo e fechando um círculo. De cima do anel, um holograma projetou a imagem de seu inventário virtual de lembranças, e ela selecionou a mais querida. Uma mulher muito parecida com ela sorria para a foto, com duas crianças no colo, um menino e uma menina.

"Ah, dona Dora Aporã, que saudades sua mulher incrível" ela sussurrou pra si mesma. Era como adquirir um buff de moral, um reforço de caráter no meio de um raid. A lembrança de sua mãe era um elixir raro que a fortalecia para enfrentar qualquer chefão. "Tudo que estou fazendo, sei que você compreenderia, mãe. Gostaria que você também pudesse estar aqui, seus conselhos viriam bem a calhar no momento. Mas prometo seguir tentando o meu melhor." A sinceridade autêntica era uma das inúmeras qualidades de Allison, por isso eu sabia o quanto ela sofria naquele instante.

Ela desligou o holoálbum e, como quem pausa o jogopara salvar o progresso, tirou da bag um exemplar do livro 'Anne With an E',outro de seus prediletos. "Tempos mais simples e humanos, Anne. Mais simples ehumanos" disse para si, enquanto se entregava à leitura pelo resto da viagematé o bar.

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⏰ Last updated: Apr 27 ⏰

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Allison: HUPGrade - Identidade ProgramadaWhere stories live. Discover now