São Paulo | Brasil
7 de Maio.A minha manhã estava agitada, com a caixa de entrada de e-mails lotada de mensagens sobre eventos e outras tarefas. Apesar da quantidade, eu me sentia no controle da situação. Era um trabalho tranquilo, mas um pouco repetitivo, confesso que meus dedos já começavam a pedir um descanso.
Era por volta de meio-dia quando finalmente decidi fazer uma pausa para descansar os dedos e recarregar as energias com um almoço. Levantei da mesa, me alonguei e me dirigi à cozinha, cantarolando baixinho enquanto preparava um sanduíche.
No meio do meu lanche, o celular tocou, me tirando do meu momento de paz. Na tela, o nome de Wilton, o mecânico de confiança que sempre cuidou dos carros da família, me fez arquear as sobrancelhas.
Confesso que fiquei um pouco intrigada, já que meu carro estava na casa da minha mãe e eu não tinha agendado nenhum serviço com ele.
Com a curiosidade aguçada, atendi a ligação, pronto para ouvir o que Wilton tinha a dizer.
— Bom dia, Wilton. Está tudo bem? — questionei preocupada, meu tom de voz revelando a apreensão que tomou conta de mim. — Ligou por engano? Eu não me lembro de ter deixado o carro aí.
— Oi Clarinha! — ele respondeu com seu bom humor de sempre. — Então, você não deixou mesmo. Mas ele está aqui. — fez uma pausa dramática que me deixou ainda mais apreensiva. — Ele está com o para-choque dianteiro quebrado, vai precisar de uma troca.
Meu coração disparou. Como assim? Eu não tinha usado meu carro nos últimos dias. Ele estava na casa da minha mãe. Confusa e preocupada, questionei:
— Como assim? Eu não usei meu carro nos últimos dias, eu deixei com a minha mãe mas ela não usou. Quem deixou o carro com o senhor?
— A sua mãe, Clarinha. Ela disse pra eu não falar nada, mas você sabe que meu trabalho é sério e eu não posso mexer no seu carro sem a sua autorização. — a voz de Wilton soou tensa, como se ele estivesse hesitante em me contar algo.
Uma onda de chateação me invadiu. Minha mãe não me disse nada sobre o carro e, agora, ele estava na oficina com o para-choque danificado. Respirei fundo e tentei manter a calma.
— Ok... — cocei a nuca, ainda processando a informação. — Você sabe quanto tempo demora pra ficar pronto ou já tem um orçamento?
— Bom, um para-choque novo para o seu modelo de carro custa entre três a cinco mil. Mas se preocupa não, sua mãe já deixou avisado que ela quem vai pagar. Eu só preciso do seu ok para iniciar o processo. — Wilton parecia aliviado por poder me dar essa notícia.
Apesar de estar puta com minha mãe, concordei com o conserto. O importante era que o carro estivesse em boas condições novamente.
— Tá, por mim tudo bem. — respondi, ainda um pouco atordoada. — Obrigada por avisar.
— Em uma semana ele vai estar novinho em folha. — ele disse com um tom simpático, tentando me animar.
Desliguei a ligação com Wilton e um turbilhão de pensamentos tomou conta de mim. A história que ele contou não se encaixava com a realidade que eu conhecia. Minha mãe, a pessoa mais cautelosa que eu já conheci no quesito trânsito, jamais bateria o carro, muito menos a ponto de danificar o para-choque.
E o que era ainda mais estranho: ela nunca usava meu carro sem me avisar. Nunca.
Com alguns minutos de pausa ainda pela frente, tentei contato com ela por mensagem, mas meu celular permaneceu em silêncio. As ligações caíam direto na caixa postal, o que me fez imaginar que ela estivesse em alguma reunião ou com o celular desligado.
Ao retornar ao trabalho, a imagem do meu carro danificado não saia da minha cabeça. Era impossível que ele tivesse se envolvido em algum acidente no estacionamento do prédio onde eu morava. Algo não estava certo.
Durante o meio da tarde, os e-mails finalmente deram uma trégua, permitindo que eu me relaxasse no sofá. Deixei o notebook na mesa de centro e me entreguei a um breve cochilo, me sentindo abençoada por ter um trabalho tão tranquilo.
Até que o toque do meu celular me tirou do meu descanso. Era minha mãe, finalmente retornando a minha ligação. Atendi com um tom de voz firme, pronta para tirar a limpo a história do carro.
— Oi, precisava falar com você. — iniciei a conversa, sem rodeios.
— Por acaso não vai me contar que está grávida por telefone, vai? — ela respondeu com seu humor típico, tentando descontrair a situação.
— Não, mãe. Não estou grávida, para com essa brincadeira. — revirei os olhos, ainda chateada com a situação. — Eu quero saber porque meu carro está na oficina do Wilton com um orçamento de cinco mil reais, sendo que eu o deixei perfeitamente estacionado na vaga do condomínio?
— Ah, isso foi um mal entendido. Eu pedi para o Wilton não te avisar porque eu resolveria tudo. — sua voz soava calma demais para o meu gosto.
— Você pegou o meu carro? É isso que eu quero saber! — questionei, incrédula.
— Não, filha. Como eu disse, foi um mal entendido. — ela suspirou, parecendo tensa. — Uma pessoa me pediu o carro emprestado e eu emprestei o meu. Acredito que ela tenha confundido as chaves e acabou pegando o seu por engano, causando o dano. Mas como eu fui a responsável por tudo, vou arcar com o conserto e vai ficar tudo bem.
— E quem foi essa pessoa que te pediu o carro emprestado? — indaguei, ainda desconfiada.
— Não vem ao caso agora, Clara. — ela respondeu com um tom ríspido.
— É o meu carro, mãe. — retruquei, firme.
— Que eu te dei, não se esqueça. — ela rebateu, um pouco irritada.
— Exatamente! Você me deu, mas o carro está no meu nome. Se alguém fizer besteira com ele, quem se ferra sou eu. Acha que eu não tenho o direito de saber o que aconteceu? — minha voz subiu de tom, a frustração tomando conta de mim.
— Você tem razão, mas vai ficar ainda mais brava. — ela suspirou, como se estivesse se preparando para me contar algo ainda pior. — Acredito que já esteja mesmo.
— Emprestou para algum amigo seu? Colega de trabalho ou vizinho? — questionei, tentando manter a calma, mas com a frustração crescendo dentro de mim.
— Não, filha. — ela respondeu, parecendo hesitante e apreensiva.
Até que uma luz surgiu na minha mente, sentindo um calafrio percorrer minha espinha.
— Você emprestou meu carro para a Bruna?! — a pergunta saiu em um tom acusatório, e ela ficou em silêncio por alguns segundos. — Mãe?! Eu não acredito que você fez isso! Não acredito!
— Eu emprestei o meu carro! — Ela se defendeu, a voz tensa. — O pai dela estava com o carro ocupado e ela precisava de um para ir ao médico. Acredito que ela confundiu os veículos, pensando que era o meu.
— Mãe? Você por acaso enlouqueceu?! — minha voz estava tomada pela fúria. — A Bruna não tem nem carteira de motorista! Ela reprovou incontáveis vezes no exame prático do Detran! Eu não tô acreditando nisso!
— Eu não me lembrei disso na hora, eu estava com a cabeça tão longe que só falei pra ela pegar a chave. — ela tentou se justificar, a voz soando cada vez mais fraca. — Mas de qualquer forma eu vou pagar pelo dano e pela confusão. Como eu disse, ela deve ter confundido as chaves.
— É claro que ela confundiu, mesmo tendo andado no meu carro por anos! Ela tem Alzheimer e se esqueceu. Mas pode deixar, eu resolvo isso. — minha voz estava carregada de ironia e sarcasmo.
— Clara... — ela começou a falar, mas a interrompi.
— Não se mete mais nisso. A Bruna quis me ferrar e você literalmente ajudou. — avisei antes de desligar o telefone, encerrando a conversa de forma abrupta.
Larguei o celular na mesa de centro, ainda tomada pela fúria e frustração. A imagem do meu carro danificado e a atitude da minha mãe e Bruna me consumiam.
Tinha que fazer algo. Não podia deixar que essa situação passasse em branco.
Olhei para a tela do computador, mas era impossível me concentrar no trabalho. Minha mente só girava em torno do que havia acontecido.
Verifiquei minha agenda do dia e, para minha sorte, não havia nenhuma reunião agendada. Apenas e-mails e outras tarefas que eu poderia resolver sem precisar estar presente em uma reunião com hora marcada.
Sentia que precisava me movimentar, sair daquele ambiente e tomar as rédeas da situação.
Levantei do sofá com determinação, peguei meu notebook e o coloquei na minha ecobag. Em seguida, fui até a geladeira e peguei a minha garrafa de água, me preparando para o que estava por vir.
Enquanto aguardava o elevador, abri o aplicativo da Uber e solicitei um carro. A palhaçada de Bruna chegaria ao fim, e seria agora.