4 - O Abraço

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Ela não tinha certeza se ele iria. Na verdade, nem esperança, mas precisava cantar aquela música. Ela não saia de sua cabeça, nem quando dormia. Ficava ali lhe assombrando até nos sonhos, martelando sua cabeça. Até que naquela madrugada, Diego não aguentou mais e sentou diante de seu teclado para compor.

Não estava nos seus planos canta-la publicamente, nem estava completamente finalizada e lapidada, mas naquele segundo em que ia deixar o palco encerrando o show, seu coração gritou as letras e ele teve que pôr para fora, teve que expulsar os versos, vomitar a melodia. Para que tivesse paz, para que conseguisse respirar novamente.

E esse era o sentimento, conforme ia cantando, a letra saindo de seu corpo, era como se a estivesse limpando, curando, soltando algo há muito preso. Então algo chamou seu olhar, puxando sua atenção como um imã e ela encontrou os olhos negros que tanto sentia falta.

Ele estava ali, de mãos dadas com sua mãe. Estático, os olhos brilhando. Enquanto ela finalmente respirava, ele parecia prender o folego. E ela o encarou, o encarou por todos os versos, o encarou por tudo que sentia, por tudo o que escreveu e alimentou naquela música. O encarou como se fosse a última vez.

Eu quero estar onde cê está

Eu não me canso de esperar

Os dois últimos versos ecoavam na cabeça de Amaury em um looping. Diego encerrou a música ainda o encarando, os dois pareciam presos um nos olhos do outro. Vários pensamentos, um só sentimento ocupando os dois corpos.

Antes de desviar o olhar, ela sorriu.

Ele sorriu de volta.

- Vamos, querido – Erika apertou sua mão, indicando a saída do camarote.

Ela havia dito algo sobre ir para o camarim, mas Amaury não lembrava ao certo. Ainda estava preso nos últimos versos da música que Diego acabara de cantar. Será que ela era sobre ele? Sobre eles. Diego ainda o esperava? Depois de tanto tempo, depois de tantos anos.

Amaury não queria acreditar. Não achava que merecia. Na verdade, tinha certeza absoluta de que não merecia. Ele teve sua chance, sua chance de ser feliz. E tinha sido. Meu Deus, como tinha sido feliz ao lado de seu pequetito. Como nunca tivera sido antes, com ninguém, em lugar nenhum.

Mas jogou fora. Foi embora e não olhou para trás.

Seria tão abençoado assim para merecer outra chance?

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- Bom, agora faz sentido o porquê da mudança do body né, vagabunda? – Larissa entrou atrás de Diego no camarim e se jogou no colo de Victor no sofá.

- Não sei do que está falando. – Respondeu a drag sem encarar ninguém, viu pelo reflexo do espelho Lennon entrando e rindo ao trocar um olhar com a ruiva.

Ela ainda estava eufórica com o show, tudo tinha sido incrível. Mais uma vez seus fãs lotaram o lugar e cantavam, gritavam, a homenageavam de todas as formas que ela nem acreditava alguma vez ser possível. Encerrar aquele ciclo era uma realização gigante, aquele álbum era como um filho gerado por tanto tempo, por tantos corpos. E ele veio ao mundo, se materializou por vários meios e ganhou o mundo.

Agora era hora de começar outro ciclo, pensar em um novo projeto, novas músicas, novos arranjos. Mas depois que voltasse do Rio de Janeiro. E com esse pensamento, sua mente voou para os olhos negros que a fitavam com tanta intensidade na última música.

- Bicha, você acha que eu não vi que ele estava lá? E aposto que não foi coincidência, já que estava com a tia Erika – Larissa a arrancou de seus pensamentos.

SaudadeOnde histórias criam vida. Descubra agora