Capítulo 13 - All I Ask (Adele)

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É impossível continuar do jeito que está. Há limites para a cegueira, para a ilusão. E eu já ultrapassei todos os possíveis, todos os cabíveis. Hélia estava certa naquela conversa de anos atrás. Quanto tem de nós naquilo que odiamos? Eu sempre detestei essas mulheres que se humilham por amor, que aceitam toda e qualquer migalha, que não tem um pingo de amor próprio e respeito por si. Eu passei tantos anos sendo forte por mim, por meu filho, quando foi que me deixei fraquejar a esse ponto? A ponto de me descolar de mim de uma maneira que parece ser duas de mim. Duas estranhas, que não convergem, que não tem um ponto de ligação, a não ser usar a mesma matéria para existir. Eu não me reconheço mais.

Quanto foi que deixei uma paixão me cegar a tal ponto? Porque Goretti estava certa ontem. Isso não é amor. Paixão. Avassaladora. Inconsequente. Dependente. Ao mesmo tempo misturada com uma gratidão. Porque, na maior parte, eu sinto isso: gratidão.

Gratidão por ele me tirar de um torpor pós-morte do meu marido que vivi por tanto tempo, que não me dei conta. Gratidão por ele me mostrar que ainda é possível ser feliz. Gratidão por ele ter me escolhido, por ter nos dado uma oportunidade. Mesmo eu sabendo que essa escolha foi por outros motivos.

Mas agora chega. Acabou. E eu nem posso me sentir enganada, porque, diferente das outras duas mulheres, eu não fui enganada em nenhum momento. Não por ele. Somente por mim. Eu que me enganei achando que nós éramos mais fortes do que eles tem. Que era suficiente. Que era o futuro. E está tudo tão claro como essa canção.

O nosso nós esteve sustentado por gravetos. Por mentiras. Pelo sofrimento de uma mulher que não mereceu, que já pagou o suficiente e ainda teve que aguentar mais uma carga, calada, causada por uma mesquinhez e insensatez de quem queria garantir um triunfo. Banal.


So why don't we just play pretend

(Então por que não continuamos apenas fingindo)

Like we're not scared of what's coming next

(Como se não temêssemos o que está por vir)

Or scared of having nothing left?

(Ou temêssemos que possa não ter restado nada?)


Eu preciso dar um basta nisso. O ponto final não vai doer tanto. Ele já vem sendo dado desde o início. Desde aquele fatídico dia. Só me resta aproveitar esse momento. O último respiro. Eu nunca mais vou me sentir dessa maneira. Eu nunca mais quero me sentir dessa maneira.

É hora de pôr fim ao meu casamento.


***


– Dopotutto, cosa ti aspetti da questa relazione? (Afinal, o que você espera desse relacionamento?)

Às vezes eu odeio a Lídia. Principalmente quando ela está certa. Ela não precisa de muito para me tirar da órbita, mas nossa conversa finalizada pela brutalità delle tue parole... Ou é pelo simples fato de eu não sei come rispondere?

Dopotutto, cosa ti aspetti da questa relazione?

Eu não sabia como responder a isso. Como, se o simples fato de Hélia estar em um ambiente, il mio corpo clama por ela? É automático. Ele sempre será responsivo a ela. Basta ela aparecer e io e sono già al tuo fianco, como um daqueles insetos que ficam em torno de uma luz, que vi aqui uma vez. Sempre foi assim, desde o momento que a vi em Amalfi. Parada em frente a Fontana di Sant'Andrea. Os cachos vermelhos rebeldes, rivalizando com o vento, vestido leve e solto em seu corpo, enquanto ela olhava para os lados, à procura de alguém. E finalmente entendi ali porque o chafariz era considerado um ponto de encontro e troca, um ponto focal onde a vida dos seus habitantes se entrelaçava. Minha vida foi entrelaçada à dela. Pela simples visão dela. Muito antes de saber que a pessoa que tanto procurava, era a que eu também procurava.

Tempos Modernos - A VoltaWhere stories live. Discover now