De novo e uma última vez

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Oto parou ainda na calçada, diante do portão. As memórias daquele lugar ainda eram nítidas, como se pudesse reviver as mesmas sensações. Mas tinha tentado ocultá-las em cada etapa da vida que buscou construir, sozinho, bem longe dali. 

Apesar de ter feito às pazes com as pessoas que davam rostos àquelas lembranças, era a primeira vez, desde sua volta ao Brasil, que entraria naquela casa novamente. 

O jovem Oto dentro dele hesitou por um longo tempo. Seus olhos iam e vinham pelos poucos degraus de pedra que avistava pela grade do portão. Pensou em tocar o interfone, mas logo o porteiro veio até ele.

- Sr. Oto?

- Isso. Sou eu.

- Pode entrar, sr. Oto. Seus pais haviam avisado que viria.

- Obrigado.

A partir dali teve a sensação de que não poderia desistir, embora essa nunca tivesse sido sua intenção.  Tinha uma postura quase infantil ao acompanhar com os pés o traçado do caminho entre os jardins que levava à porta principal. Pareciam os mesmos de sempre. Ali, nada havia mudado.

Atílio o aguardava na porta. Sorriu ao ver o filho retornando à casa da família. Oto retribuiu com um sorriso tímido e ainda desconfortável.

Martina fez questão de ela mesma servir o café ao filho. Sentou na poltrona a seu lado.

- Então, você disse na ligação que tinha achado uma pista importante nos e-mails do Stênio? - Atílio perguntou, enquanto se servia de café.

- Achei. Eu tenho certeza que o Moretti já está no Rio. Chegou ontem, de carro, pela Região dos Lagos. Ele parou em uma pousada, consegui dados sobre essa estadia. Mas o destino final tá sendo mais protegido, claro. E  tem um cara, funcionário, talvez, de algum hotel que está ajudando a dar cobertura a ele. A minha maior preocupação no momento, e o motivo de eu ter vindo aqui, é que eu também achei alguns registros de que ele esteve em um flat na mesma rua do prédio do Guerra!

- Como assim? Ele esteve próximo da gente?

- Sim. Ele tá armando alguma coisa, isso é certo. Eu avisei o Guerra, ele reforçou a segurança, mas eu acho que a gente tem que evitar os lugares que o Moretti conhece. Ele parece estar querendo observar nossos passos. Pode estar desconfiado de alguma coisa ou...

- Ou...?

- Planejando o próximo passo e isso envolve a gente de alguma forma. 

Atílio tinha uma expressão pensativa e preocupada. Martina seguia apenas ouvindo as especulações.

Oto se levantou angustiado. Pensava em muitas coisas ao mesmo tempo. Seus olhos passaram rapidamente pelo móvel antigo próximo à entrada da sala de jantar. Um porta retrato dourado guardava uma foto sua no colo da mãe. Devia ter 7 ou 8 anos na época em que aquela foto foi tirada. Por um instante, reviveu aquele momento em que Martina havia acabado de chegar após meses fora. Tinha corrido ao encontro dela. Sua expressão na foto evidenciava a estranha  sensação de estar protegido.

Seu pai retomou a linha de raciocínio.

- Você falou desse homem, o que seria responsável pelo paradeiro atual do Moretti...?

- Sim. Ele é a peça-chave. Justamente o que falta para eu conseguir descobrir onde o Moretti está.

- E você não achou mais nenhuma pista, nenhuma mensagem nova?

- Não. Até porque eu acho que ele já está lá. Provavelmente não vai ter mais nenhuma mensagem. E o mais estranho é que eu não acho nada sobre o cara. Rede social, vínculo com banco, com empresa. Nada. Já vasculhei em tudo que é canto. Parece um fantasma. Já pensei até do nome ser falso. Mas eu conferi e realmente existe uma pessoa nascida no Brasil com esse nome. Só que não tem mais nenhum rastro.

Dois mundosWhere stories live. Discover now