Nós não demoramos para entrar num táxi. Como no avião, o de cabelos castanhos ouve músicas nos seus fones e deixa um dos lados caído sobre o banco. Eu chego para o lado discretamente e pego a parte caída, a encaixando no meu ouvido. O ritmo da música é gostoso de se ouvir, e acalma. A voz do homem repete algumas vezes a frase "nada parece melhor do que isso".
O celular no colo dele começa a vibrar, ele atende a chamada e eu ouço uma voz grossa e familiar falar. Decido que vou ouvir a ligação e tento esconder mais ainda o fone com o meu cabelo. Infelizmente, a minha curiosidade fala alto.
— Fala.
— Cara, descobrimos coisas que você vai gostar de saber. — é Thomas, um dos amigos de Harry.
— Algum ponto fraco dele?
— Quê? Não, acho que ele não tem um, mas não fica com medo, você é jovem e rápido.
— Tá. — ele coça a sobrancelha, incomodado — Obrigado pela confiança. — do outro lado da ligação, o homem ri e diz que vai passar para Benjamin.
— Harry, é sobre o Sean.
— Pode falar.
— Os amigos dele o internaram em uma clínica de novo.
— Da primeira vez isso não adiantou, por que agora adiantaria?
— E não é só isso, parece que ele tentou abusar de uma das garotas que já feriu.
— Ele não merece só ficar internado em uma clínica.
— Com certeza não. Há garotas que seguem o padrão dele em todos os lugares, os amigos querem o quê? Esperar que ele faça algo pior e finalmente o denunciarão?
Harry arfa, incomodado.
— Tem uma mulher lá no escritório, que pega casos contra homens desse tipo. Compra causas de mulheres assim e as ajuda.
— Eu não vou envolver ela nisso.
— E não precisa. Eu vou cuidar disso e fazer esse cara ir para a cadeia.
— E é o suficiente pra homens como ele?
— Ele não terá apenas isso. Bom, nós já compramos as passagens, estaremos em Vegas um dia antes da luta.
— Certo.
— A Karen também vai, então se prepare.
— Por quê?
— Preciso responder? Ela é a noiva do Marcos.
Tiro o fone assim que chegamos na porta do hotel em que ficaremos. Ouço Harry se despedir de Benjamin e nós descemos do carro.
Sinto o meu corpo meio anestesiado, e preciso de tempo para digerir essa conversa que ouvi. Sean será preso? Ele já fez isso com outras garotas e eu sei que merece isso, mas o que Benjamin quis dizer com "ele não terá apenas isso"?
Por fora, o hotel é lindo, tem tons claros e alguns detalhes em dourado, além de ser extremamente alto — de forma que passa um pouco de medo. Nós entramos depois que Harry paga o motorista e pega nossas malas. A recepção é luxuosa, com um balcão enorme na direita e sofás grandes espalhados do outro lado, além de um tapete fofo, e pessoas que transitam o tempo todo indo para os elevadores ou se sentando em algum sofá.
Andamos até o balcão e enquanto Harry conversa com a recepcionista eu reparo em cada detalhe deste andar.
— Vamos. — ele me chama para ir em direção ao elevador e eu o acompanho, mas paro quando percebo que nossas malas ficaram para trás.
— E as nossas malas?
— Um funcionário vai levar.
— Ah, ok. — há três elevadores com portas largas aqui embaixo. Um outro elevador está mais distante, que é só para funcionários.
Esperamos uns dez segundos até que as portas se abram e entramos no cubículo que é maior do que eu esperava. Cabem aqui umas vinte pessoas, mas só dividimos espaço com um outro casal, que pressiona o número oito na tela. Harry aperta o último — vinte.
O casal de meia idade conversa sobre o casamento para o qual vieram a essa cidade, parecendo empolgados, e quando saem nos desejam boa tarde.
— Boa tarde. — nós respondemos em conjunto. Quando as chapas se fecham, Harry encosta na parede atrás de si e me olha.
— Você acha mesmo que eu não ia reparar em você ouvindo a minha conversa? Você estava a centímetros de mim.
— Desculpa. Eu só queria ouvir música, mas fiquei curiosa.
Eu esperava que ele dissesse algo, mas ele simplesmente me olha nos olhos por um breve segundo antes de desviá-los para o chão. Eu encaro as portas, incomodada pelo clima tenso e constrangida.
Aperto a manga da blusa contra a palma da minha mão, perdida.
No segundo seguinte, eu me viro para ele disposta a fazer todas as mil perguntas que se passam pela minha mente. Quando ele ergue a cabeça para mim, de cenho franzido, eu abro a boca para me pronunciar, mas o verde dos seus olhos, tão fixo e concentrado na cor sem graça dos meus, me faz hesitar.
Me assustando, se faz presente o som que a tela transmite ao chegarmos no andar desejado. As portas de aço se separam e Harry se distancia ao andar em direção ao nosso destino.
Eu o sigo. Neste corredor há apenas três portas, de número duzentos ao duzentos e três. Vejo-o passar uma espécie de cartão no lugar onde devia ficar a fechadura da porta 200, e ela se abre com sutileza.
As nossas malas já estão aqui dentro, paradas perto da entrada a nos esperar.
Quando eu descobri que ficaríamos em um hotel, eu pensei que seria um quarto com duas camas ou algo do tipo, mas o que vejo aqui parece um apartamento enorme e mil vezes mais luxuoso do que a casa onde moramos. Há uma sala larga que se conecta à entrada por meio de uma escada com três degraus pela qual temos que descer até chegar aos sofás, que são pretos com almofadas de tons pasteis, eles parecem tão confortáveis que se eu tiver que dormir em algum deles vou agradecer imensamente. Ficam de frente para uma TV enorme.
As paredes ao lado oposto da sala são de vidro, com cortinas que podem ser acionadas por um controle. Em outro canto, um pouco distante delas, há uma mesa de vidro. Ando até um pequeno corredor que tem duas portas, e cada uma dá para um quarto.
Os dois quartos são iguais, com camas tão grandes que dariam duas camas normais juntas. Eu entro em um quarto, a cama dele está forrada por uma colcha branca com marrom, de forma que combina com a parede marrom rodeada por outras paredes sem cor. A janela é de vidro com grossas cortinas escuras, além de uma TV um pouco menor do que a da sala. O outro quarto é idêntico a este, os dois compartilham um banheiro luxuoso, com um espelho largo e banheira.
— Eu vou ficar no outro quarto, você pode ficar com esse. — me viro para Harry, que tira os sapatos enquanto fala — Vou descansar, você devia fazer isso também. Daqui uma ou duas horas eu me levanto e peço algo para comermos.
Ele sai para o seu aposento sem esperar por uma resposta, no lugar onde estava agora há a minha mala, que ele trouxe e deixou aqui para mim.
Há tantas possibilidades do que se fazer, como um banho de banheira, assistir algo em uma dessas televisões, olhar a cidade pela janela, explorar mais o lugar... Mas eu estou tão cansada que simplesmente me jogo na minha cama e fecho os meus olhos, ainda usando a blusa de frio de Harry.
Encaro os meus pulsos com os olhos semicerrados. Tenho uma marca de nascença que eu me lembro vagamente de, com a minha mãe, fazer brincadeiras a respeito. Sorrio, sentindo um leve aperto no peito e alisando o lugar com o dedo indicador.
— Que saudade... — eu sussurro.
É possível sentir falta de algo que mal se lembra de ter?
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Capítulo extremamente chato, não estava tão inspirada ao escrevê-lo, então peço desculpas por não ter saído nada empolgante e com uma narrativa entediante. Queria ter escrito mais, deixado ele maior, mas tive que parar por aí porque o próximo será narrado pelo Harry e eu não gosto de colocar duas pessoas narrando no mesmo capítulo.
Beijos, Isa <3