Uncover

Uma noite especial

(Lauren)

Se um homem com poderes mágicos lhes perguntasse qual momento da sua vida gostaria de mudar, o que você responderia? O seu aniversário que não deu certo? O dia em que brigou com sua melhor amiga? As palavras rudes que disse intencionalmente à alguém especial? Certamente há um momento em nossas vidas que gostaríamos de mudar. Eu penso muito sobre isso sempre que deito em minha cama, enquanto observo as estrelas no teto no meu quarto. Eu seria muito egoísta se escolhesse o dia em que minha mãe engravidou? Se pedisse que, ao invés da minha genética se tornar uma bagunça, que eu fosse apenas mais uma garota normal como todas as outras? Eu acho que sim, mas me permito ser egoísta sempre que imagino como tudo seria diferente em minha vida. Eu não seria insegura sobre meu corpo, mesmo que meu externo seja o de uma garota normal. O medo sempre vai estar lá, porque eu sei o que há dentro de mim. Sou eu quem passo pela terapia com estrogênio; sou eu quem carrego a paranoia de a qualquer momento desenvolver pêlos grossos, ou até mesmo barba. É uma paranoia contínua que me atormenta dia após dia, mesmo que os outros não entendam o porque. Você não pode entender a tormenta de alguém que passa por algo que você não conhece; no final do dia, sou eu quem carrega testículos internos, testosterona duplicada e genética masculina. Ser mãe? Eu deveria deixar aquele sonho de lado, porque engravidar não era possível.

Não me julguem por isso, por favor; gosto da minha vida, gosto do meu mundo particular; ser diferente tem seu lado positivo. Mas eu me pergunto se as coisas seriam diferentes se eu fosse apenas uma garota comum, se as garotas se aproximariam de mim por interesse puro e não curiosidade sexual, assim como Alycia — que se aproximou por interesse puramente físico imaginando como seria o corpo de uma garota interssexual —, e agora Camila. Não as julgo, no entanto. Alycia tornou-se uma grande amiga quando sua curiosidade se dissipou, e Camila...não sei o que esperar dela. Ela é apenas a sombra da garota que eu amei um dia, mas tendo-a inteira para mim por uma hora fez com que eu esquecesse naquele espaço de tempo que as coisas entre nós já não eram mais as mesmas; fez com que eu me sentisse normal. Mas, assim que acordei noite depois de dormir ao seu lado, ela já não estava mais lá, e a realidade me atingiu fria e cruel.

Camila nunca seria inteiramente minha; seu interesse não estava no meu coração, mas sim no meu lado não nerd.

Com o dedo indicador, alisei levemente a região pélvica onde internamente deveria estar o meu útero. Aquele par de testículos não deveria estar ali, aquela parte do meu corpo me tornava um quebra-cabeças defeituoso. Lembro-me de ver minha mãe chorar abraçada ao meu pai, sua voz embargada perguntando se um dia alguém me amaria pelo que eu era antes de me julgar por aquilo. Eles não sabiam que eu estava escondida atrás da porta do quarto deles; uma garotinha de apenas sete anos que não entendia o porquê de passar por tantos exames periódicos. Naquele dia, eu finalmente entendi que sempre seria diferente das outras garotas — mas não igual aos garotos.

Eu seria apenas eu, a Lauren.

— Lauren! — o grito agudo de Taylor tirou-me de minha inconsciência, trazendo-me de volta ao mundo real. Ela estava parada na porta do quarto com as mãos na cintura, sobrancelha arqueada e a ironia estampada em sua expressão. Só então lembrei de onde minha mão estava. — Você é muito estranha! Na verdade, imagino como seria se tivesse nascido com pênis. Eu provavelmente entraria no seu quarto e você estaria-

— Mãe! — berrei alto, minha voz a assustando.

— Não seja chata, sua chata! — revirou os olhos. — Camila está lá em baixo esperando por você, toda trabalhada no decote. — Taylor deve ter visto minha surpresa, ela piscou e antes de sair, acrescentou: — Se forem ficar aqui, tentem ser menos barulhentas, sim? Papai e mamãe estão em casa dessa vez, e eu posso entrar em coma quando durmo, mas os gemidos de Camila são realmente altos.