SG: I

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A luz da geladeira esgueirava-se com a fina névoa de gelo vinda do interior do freezer, envolvendo a cozinha em um azul trêmulo. Atrás da pia havia uma única janela, responsável por trazer toda a claridade do letreiro queimado do Karpas, o restaurante oriental de procedência duvidosa que se alojava abaixo do primeiro andar do cortiço. Shura gostava de pensar no apartamento como um prédio, propriamente dito, mas às vezes sucumbia ao entendimento claro de que aquela não era a moradia dos seus sonhos; por inúmeros motivos, sendo o cheiro insuportável de sushi estragado naquela hora da noite uma boa razão para arredar o pé dali.

— Cacete, Ryan! - com a jarra de vidro firme entre os dedos, a jovem engoliu o próprio susto. - Dá para não ficar atrás da porcaria da porta?

— Ô maluca, fica de boa. Não quer acordar a dona Johnson. São cinco e pouco da matina! - o irmão, de samba-canção e pelos ruivos mal aparados no peito, a fitava com os olhos arregalados.

— Da noite. – Ela corrigiu, fingindo a si mesma que não tinha chegado tarde daquele jeito em casa. Fechando a geladeira, deu meia volta ao clique da porta metálica.

Era ruim manter o equilíbrio do copo de suco de laranja e rir das besteiras vividas em plena madrugada de terça-feira. O ardor das dúzias de vodca com energético, bebidas às pressas no open bar, ainda lhe causando cócegas na garganta, e a fedentina do cigarro passava despercebida por ela, mas bem que Ryan tossiu ao desviá-la no corredor entre seus quartos. Fosse um alerta de que precisava cuidar dos pulmões, ou que gastava demais com maços, ela não se importou muito e fechou-se em seu mundinho seguro entre quatro paredes.

Chave passada na porta, saltos tirados com sucesso. Tentava entender porque raios insistia em usar salto na balada, porém, Violet achava bonito e elas viviam uma fase em que era necessário trocar certos carinhos, caso contrário uma delas amanheceria morta no outro dia. Causa do assassinato: brigas incontroláveis. Escolhas, escolhas. Nem sempre Shura fazia as mais corretas. Acender mais um cigarro e fumá-lo com a janela fechada, só para ouvir a mãe reclamar logo mais às sete da manhã, era outra decisão nada correta para a sua coleção.

Oi, baby... - o áudio rouco da namorada ecoou pelo quarto, obrigando a garota a ser rápida para abaixar o volume do celular. - ... Cheguei em casa agora... - Uma tosse evidenciou a exaustão, e fez Shura sorrir, bêbada. - ... Mano... Nunca mais me deixa virar um double...

Com o fim do áudio, ela colocou o celular sobre a escrivaninha, tragando o cigarro antes de responder em um sussurro:

— Como se desse para te controlar, né bonitona? Já bati de frente com o Ryan no corredor, vou apagar aqui. Amanhã a gente conversa. Vê se dorme bem e relaxa, à noite dou um pulo aí. Te amo! - O barulho do aplicativo de mensagens certificou o envio e a tela do celular se apagou, deixando-a livre para trocar de roupa e se jogar na cama.

DIÁRIO SIMULADO (Vencedor The Wattys 2018) - DegustaçãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora