Capítulo 8

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"A transição democrática brasileira de 1985 viveu uma noite decisiva. Os fatos históricos poderiam ter outro caminho se não houvesse respeito à Constituição Federal naquele 14 de março de 1985 quando, no quarto andar do Hospital de Base de Brasília, líderes políticos discutiam quem tomaria a posse na Presidência da República já que ao lado, o presidente eleito Tancredo Neves era operado às pressas de apendicite, conforme as primeiras informações sobre o diagnóstico daquele paciente. A transição democrática foi concretizada graças à posição firme daquele que seria ministro do Exército de Tancredo, o general Leônidas Pires Gonçalves. Podemos entendê-lo como um militar que contribuiu para garantir a transição democrática".

O texto acima fazia parte da orientação do meu editor para a matéria que estava escrevendo e que deveria mostrar exatamente a possibilidade que o Exército teve de melar todo o processo de redemocratização do Brasil.

O presidente eleito Tancredo Neves precisou passar por uma cirurgia na noite que antecedeu à sua posse, marcada para 15 de março de 1985. Quem deveria tomar posse? O presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo poderia tomar uma atitude contra a democracia, impulsionado por setores radicais do Exército, aproveitando-se da ausência de Tancredo? O fato de José Sarney, dissidente do PDS – partido oficial do regime militar – ser o vice-presidente de Tancredo poderia provocar o revanchismo dos militares, contra aquele que eles consideravam um traidor? Essas questões eram pertinentes aos líderes civis como Ulysses Guimarães, José Fragelli, Marco Maciel, Fernando Henrique Cardoso, ainda atordoados com aquela situação.

O editor indicava a necessidade de ouvir o general Leônidas Pires Gonçalves, mas o ex-ministro do Exército mantinha-se incomunicável, arredio, recusando, através de familiares, o agendamento de qualquer entrevista. Nas informações básicas que norteavam a matéria, meu editor tinha deixado o telefone da residência do general Leônidas Pires Gonçalves e o endereço.

Eram quase 15 horas, resolvi ligar e tentar a sorte. Ele atendeu.

_Alô.

_Boa tarde. Gostaria de falar com o general Leônidas Pires Gonçalves, sou jornalista – silêncio total do outro lado do aparelho – e sei da sua importante participação para que o processo de redemocratização do Brasil conseguisse ser completado – disse, tentando mexer com o ego do meu interlocutor. Minha aposta era que o próprio general tinha atendido o telefone, num rompante incrível de sorte deste repórter.

_Humm.

_Esse assunto será tema de uma matéria que o jornal que trabalho irá publicar no domingo.

_Sobre? – a voz interrompe. Entendi que estava certo. Era o general. Passei a fazer o jogo dele, fazendo-o pensar que achava que ele era apenas um parente, funcionário ou coisa parecida. Ele parecia alguém camuflado em combate.

_É sobre o processo de redemocratização do Brasil. Sei que ele foi importante, deu segurança num momento de instabilidade institucional...

_Mas vocês da imprensa agora deram para elogiar um militar? – perguntou com voz firme.

_Não... General? – perguntei, arriscando.

_O que o senhor deseja? – devolveu a pergunta.

_Muito prazer, general! Gostaria de agendar um horário para uma entrevista. Como estava dizendo, estou fazendo...

Ele interrompe.

_Isso eu já entendi. Não tenho horário. Não vou falar com vocês porque nós sempre somos errados, torturadores e coisas do tipo...

_Não, general – agora fui eu que o interrompi - a matéria fala sobre um momento importante do Brasil. Para a história ser bem contada é preciso ouvir quem a viveu. É por isso que gostaria de entrevistá-lo...

Sonhei, Entrevistei, Escrevi...Where stories live. Discover now