O PRINCÍPE E O LOBO

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A esperança assombrava-o. Sua aparência fantasmagórica o causava vertigem, sua vida de repente se fundia em redemoinhos que o submetiam a crises de loucura e de alucinação. A solidão era sua melhor companhia e, ao mesmo tempo, o levava às fronteiras do perigo; do abismo da alienação, do elo entre a realidade e seus mais tenebrosos pesadelos que, ao fim, o guiavam a um único objetivo: não temer e não sonhar. Jamais.

Suas ânsias não eram ponderáveis, suas crenças radicalizavam-se a extremos; a opostos. Controvérsias, paradoxos: era quase um contraventor aos seus próprios ideais. Se soltasse um sim, queria dizer logo um não e vice-versa. Tanta confusão tinha nome, local e data. Sua vida era um enigma, um quebra-cabeça cuja peça de maior relevância – a sua alma tímida e ainda protagonista - perdera-se na escuridão de becos e perseguições ao próprio ego desmaterializado e ferido, como aquelas intermináveis caçadas da década de 1960 e que perdurariam anos, quando vozes calavam-se com a mesma rapidez - descompassada a ponto de descaracterizar uma valsa - com que surgiam, e quase sempre ao som da doce trilha da ganância e ao balbucio da ignorância. Suas lembranças eram o que comprimiam a própria forca, sufocando sua exagerada covardia.

Assim era Otto, sujeito de carcaça fornida e estrutura acanhada. Recém-chegado à idade de Cristo, seus olhos eram fundos e quase sempre cansados; a pele levemente queimada de sol era como tatuagem, orneando cada dia de trabalho exposto às ruas da cidade grande. Sua alma, no entanto, era virgem e pálida. Seu sorriso disfarçava timidamente o garoto que se esquecera de ser, mas que ainda ressoava nos sinos das doces lembranças que viviam ali. Sabia que bons sentimentos respingavam em seus dias, embora nascesse da dor. O parto foi sua primeira surra: momento de dar a sua cara à tapa e a vida - Ah, a vida! –, essa era criativa demais em suas armadilhas. Desde muito cedo convivia com a conformidade de ser um perdedor. Mais um perdedor entre tantos outros falsos ganhadores, gabava-se em silêncio. Sua única vitória, esnobava consigo mesmo: saber reconhecer num abraço, uma gola de arame farpado ou um soneto de amor.

- (...) Mas quem se importa com isso num cotidiano no qual o romantismo é bula de remédio exposta em prateleiras que vendem autoajuda? – Continuava reflexivo.

Era rapaz forte. Muito embora, a sua força, permanecesse encarcerada ao que se via de seu corpo, de carne delineada o bastante para incriminar o seu paradeiro nas horas vagas. Sua essência era tão frágil quanto àquela do garoto que já habitou ali, como quando o dia em que seu pai, Eduardo, um ainda inexperiente professor e músico, um justiceiro quase tão patético quanto os seus instintos librianos - em homeopáticas e saudáveis doses de utopia - e réu de seus próprios ideais, fora acusado de um crime que jurava desconhecer e o filho, cujos olhos amendoados brilhavam um pouco mais naquele dia, permanecia pensativo ao canto da sala ao passo em que fitava a discussão entre seus genitores que iniciara-se então, ainda que não entendesse o significado que aquilo tudo poderia ter e nem adquirir ao longo dos anos.

Semanas depois, sem pistas e nem testemunhas – pelo menos com coragem de dizer o que o quer que fosse - ninguém mais saberia do paradeiro daquele jovem homem. Na época, muito se fantasiou sobre o caso: alguns acreditavam que tratava-se de uma possível fuga que, por sua vez, endossava a acusação; outros palpitavam sobre seu assassinato; alguns em sequestro político ou exílio; e ainda haviam aqueles, que já passado quase um ano, seguiam insistindo de que os versos de suas tão particulares canções poderiam estar ecoando nos gelados porões do Doi-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna), órgão subordinado ao Exército Brasileiro durante a Ditadura Militar no país e desde 1969, localizado à rua Tutóia, no bairro Paraíso, em São Paulo. Mas, entre tantas e diferentes especulações, existia ainda a classe daqueles que acreditavam que ele simplesmente buscava um recomeço e partira disposto a ter nova vida longe dali. Desde então, para Otto, aquela sua, admirável e ao mesmo tempo perigosa, essência infantil e ingênua de sonhos congelou-se no tempo – ou algemara-se a ele. Talvez dentro de si, ainda vivesse daquele mesmo sabor e que hoje, se revestia na figura calada de um homem maduro.

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