CAPITULO 1

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No começo do século XX, uma revolução fez com que Dmitri Ivanovich se afastasse de sua pátria.

Ao acordar cedo numa manhã de sábado, pegou um trem, que o levou ao porto de Vladivostok, e de lá sairia junto com o crepúsculo. Após dias de viagem, chegou a América do Sul junto com a mais bela aurora que vira em toda sua vida.

Nos últimos tempos, ele deixara de ser aquela criança mimada e birrenta, e tornou-se homem. O contexto, sem dúvida, havia mudado, e ele deveria mudar também. Não era planejado e nem desejado por ele tomar a decisão que teve de tomar. Mas, viu-se forçado a toma-la pois era um caso de morte ou vida.

A aflição, a angustia e o medo o acometiam, mas era como se fosse uma calma depois da tempestade, pois tempos mais difíceis haviam sido passados por ele.

Era a chance de começar sua vida outra vez. Na sua terra natal, tudo estava previamente traçado. Mas, lá, aquele lugar novo, que pertencia a um mundo diferente, onde nem ao menos sua língua falavam. Via-se como um andarilho, que de nada prestaria e em pouco tempo seria digerido pela besta social que a civilização criou.

Quanto mais o destino se aproximava, mais a ansiedade o tomava. Os homens tem naturalmente medo do desconhecido, mas o que se via naquele jovem era algo extraordinário. Seu futuro dependia apenas de como o destino conspiraria.

Algum tempo depois, o navio aportou no Rio de Janeiro. Enquanto todos rapidamente levantavam-se dos bancos no convés buliçosamente, Dmitri Ivanovich parecia que estava algemado ao banco onde estava. Mesmo com todo aquele barulho, em seus pensamento, predominava-se o mais completo silêncio.

Incalculáveis vezes tentou se libertar, mas as algemas que o prendiam cada vez mais duras e resistentes estavam. Outrora, elas eram de metal, agora, tornaram-se de chumbo, e fazia-se inútil lutar para se ver liberto. Não mais resistia, apenas aceitava o destino lhe havia sido imposto. Poderia apreciar a aurora por aquele banco o resto da manhã.

Mas, não sabia que assim como existe a alvorada, existe o entardecer, que se manifestou com os gritos de um oficial negro, alto e bastante musculoso. Com sua força hercúlea , ele destruiu barbaramente as correntes, que se viram reduzida a pequenos pedaços de algodão.

Aos gritos e pontapés, Dmitri Ivanovich foi escorraçado da embarcação.

Sentindo-se extremamente humilhado, ele desceu pela ponte que ligava o navio a terra firme como se fosse um criminoso indo para sua execução. Seus passos eram lentos, como os de uma tartaruga, e sua cabeça estava voltada para baixo.

Quando encostou a ponta do pé esquerdo em território brasileiro, parecia a ele que acabava de dar os primeiros passos no inferno. A temperatura estava assustadoramente sufocante, e em pouco tempo, via-se empapado de suor.

Após todas as questões jurídicas terem se resolvido, ao andar pela cidade do Rio de Janeiro, sentiu-se uma formiga em meio a gigantes.

Nunca tinha visto tamanha diversidade étnica e cultural. Passeavam de carro lindas senhoritas, que com seus vestidos importados e sombrinhas, tentavam emular na região uma espécie de Paris tropical. Enquanto, alguns homens e mulheres, de coloração escura, se reuniam não muito distantes dali para louvar os santos da religião deles.

A alegria e a festa compartilhada naquela celebração nunca antes houvera sido por ele presenciada. Normalmente, os cultos da Igreja Ortodoxa eram – e são – bastante sérios e formais.

Ele apreciou o culto com os olhos grudados nele. Era exótico, ousado, divertido, assustador. Para muitos de visão e posição similar a dele poderiam se sentirem ameaçado e chamá-los de seguidores do diabo. Entretanto, Dmitri Ivanovich não viu sua fé ameaçada, simplesmente assistiu a celebração com grande curiosidade.

Dali, seguiu caminho a procura de uma estalagem, esperando ao menos passar a noite tranquilamente. Andava cabisbaixo, com um passo tímido. Cada vez que dava um passo, emanava medo e insegurança.

Todos os transeuntes olhavam para ele com mais estranheza. Com sua pele pálida e os olhos que mais se assemelhavam a diamantes, era dotado de uma fisionomia tipicamente eslava, raramente vista em países tropicais.

Depois de muito caminhar, ele finalmente chegou ao seu destino. Ao adentrar lá, viu duas senhoras, negras como a noite. Uma delas tricotava, enquanto seus dois netos, pequenos e mulatinhos, brincavam com ela. A outra, lia um volume de Castro Alves, enquanto seu marido, de fisionomia tipicamente italiana fumava um cigarro, quando percebeu a presença do possível hóspede.

Ele então, cutuca sua esposa que larga o volume e atende Dmitri, com a mesma generosidade de uma ama para a criança por ela cuidada.

Ao adentrar no quarto, igualmente simples, ele tirou suas botas de couro e numa bacia de água lavou os pés.

Estava com a mesma roupa que havia saído da terra natal, era a única coisa que tinha levado. Não se banhava já a dias, e precisava fazer isso o quanto antes, mas, era necessário descansar.

Assim que deitou na cama, ele sonhou. Apenas pensava em sua terra natal, e que morreria sem voltar para lá. Toda a mudança que havia se operado não seria temporária e sim, definitiva. Não havia mais volta.

Da pátria original, apenas memórias restariam. O futuro, estava naquele novo local em que acabara de chegar.

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⏰ Last updated: Apr 10, 2019 ⏰

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Memórias Dmitri IvanovichWhere stories live. Discover now