Capítulo 6

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Papai resistiu à minha insistência, não poderia acompanhar-me e não me permitia viajar sozinha, iria perder-me no caminho, papai jamais concordaria, e decidi fugir, desde que Rosemary me acompanhasse. Sabendo como eu era determinada, papai mandou Rosemary vigiar-me com os dois olhos e só deixar que eu saísse de casa com ordem dele e acompanhada. Rosemary deu-me a prova de seu afeto por mim, e também se vingou da indiferença de papai, aceitou fugir comigo para Fortaleza apesar de sentir muitas dores na espinha, tantas que mal podia caminhar sem bengala. Comprei as passagens na barcaça com dinheiro da mamãe, escondi os bilhetes. Confidenciei ao professor Fernando meu intento e o fiz prometer-me consolar papai e segurá-lo em casa ao menos uma semana antes de ir ao nosso encalço. Uma cidade de calma imperturbável, indiferente às leis do tempo, tangida por um vento noturno suave e constante. Tinha uma bela fortaleza com seus canhões, mas era pequena, largada, parecia mais uma comarca de interior do que uma capital de província. Sua grande beleza era o mar bravo. Uma carroça deixou-nos na frente da casa de vovô, uma casa baixa, cercada de coqueiros e perto de um areal iluminado de luar como se fosse dia. Meu avô Manuel, um homem alto e de cabelos muito fartos e brancos, veio abrir a porta, vestido de uma calça de algodão, camisa solta por cima, tamancos de pau, uma touca de dormir e uma candeia de óleo de carnaúba na mão. Ficou muito surpreendido com a nossa chegada, fez perguntas sobre a viagem, e apareceu minha vovó Socorro, que eu só conhecia de cartas, vestida com uma camisola de algodão alvo e os cabelos soltos pelos ombros. Vovó Socorro levou-nos ao quarto de banho, depois ofereceu-nos uma ceia de frango assado, roscas de milho, carne de sol, e umas tapiocas tão finas e delicadas que entendi por que papai reclamava tanto com Rosemary de suas tapiocas grossas. Um escravo armou duas redes num quarto e dormimos até nos fartar. No dia seguinte, vovô Manuel disse que Vicente estava desde março na província do Amazonas, que acabava de ser criada, onde ofereceram-lhe um cargo político, e fiquei desesperada, com a certeza final de que ele jamais saberia com quanto extremo era amado, nem os acentos da paixão que me inspirou, mas que não ouviu nunca, e que ficaram em minha alma, e que eu não terei de os repetir a ser humano algum. Era, ou não, fatalidade? Emilly acredita que sim, uma fatalidade entre todas as outras fatalidades que magoavam a minha vida sem curativo.

Dias & Dias - ReleituraWhere stories live. Discover now