0 - Prólogo:

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No começo desse mês eu perdi o meu celular. Eu estava fazendo uma jornada de 18 horas, 3 ônibus e uma carona, para me encontrar com o Carlitos. Do norte de Santa Catarina até Torres no Rio Grande do Sul, para encontrar com o camarada que segurou a onda num hospital do Vietnã, enquanto eu estava em coma depois de um acidente de moto.

Quando eu perdi o celular eu havia acabado de passar o carnaval num festival de música, o Psicodália, e a minha quarta de cinzas foi nessa missão de chegar até o estado mais ao sul do Brasil. No início da jornada eu nem sabia se o trajeto que eu desejava fazer era possível, foi bom sentir novamente a adrenalina da aventura novamente nas minhas veias. Eu estava com saudades de sair por aí sem ter certeza do que iria acontecer.

Mas a animação da estrada passou depois que consegui organizar uma combinação de passagens que me levavam pra perto do Carlitos. A partir desse momento bateu o cansaço e eu passei a apagar onde me encostava.

Eu dormia como uma pedra, quando um motorista me acordou avisando que aquele era o ponto final. Quando eu caminhei pra fora daquele ônibus eu mal entendia o que estava acontecendo. Ao chegar à terra firme eu fui me dar conta que eu estava no Sul do Brasil e que já passava de 2 horas da manhã. Eu estava quase dormindo novamente no banco onde esperava a próxima condução quando percebi que havia deixado o meu telefone no ônibus anterior! O celular voltou para contar a história daquele carnaval louco, apenas para ser perdido no dia seguinte.

As circunstâncias eram desafiadoras, mas já perdi tanto celular que fica difícil me defender. Eu já tive número capixaba, carioca, vietnamita, indiano e nepalês. Eu ocupo bastante espaço na agenda dos amigos mais chegados.

Se existe uma vantagem de ir perdendo as coisas é que no final não tenho mais nada com o que me preocupar, a felicidade do pobre.

Além de perder, eu também inutilizei vários aparelhos com água. Perdi um celular na floresta urbana da Tijuca, outro no coração da selva na Ilha Grande e outro enquanto acampava na baía de 1000 ilhas de Ha Long, no Vietnã.

No Cambódia eu fui pegar uma onda de caiaque, acabei indo pra água e o meu celular caiu no mar para nunca mais ser encontrado: virou oferenda para Iemanjá. As pessoas normalmente ofertam rosas nas praias, o Eike Batista despeja barras de ouro de suas lanchas, já comigo é caiaque e celular. Naquela noite eu pedi proteção e fartura à Deusa dos Mares, eu me meto em tantas situações arriscadas que não posso deixar passar nenhuma benção.

Mas o celular com a melhor história foi o que perdi enquanto eu subia de moto a passagem de Sela, 4200 metros de altitude, em Arunachal Pradesh nos Himalaias Indianos. Não sei quem estava mais no limite de sua capacidade: eu ou minha moto de apenas 150 cilindradas. A maior parte do caminho eu fiz com a respiração ofegante e o coração acelerado, não sei se por causa de falta de oxigênio ou pela adrenalina de dirigir naquelas condições perigosíssimas. Provavelmente por causa de ambos.

As últimas fotos que tirei foram no ponto mais alto daquela estrada, depois disso caiu uma tempestade que me encharcou e estragou o celular que estava no meu bolso. Eu andei de moto numa das estradas mais altas do mundo, mas perdi as fotos e não tenho como provar. Mas depois de ter conseguido chegar, qualquer outro problema parece insignificante.

Essa história de aparelhos molhados estava ficando ridícula, então resolvi comprar uma câmera à prova d'água e choque. Não foi o suficiente: eu a esqueci em uma praia remota de Trindade, só fui me dar conta horas depois e nunca mais a vi.

Mas nem sempre a culpa é toda minha, algumas circunstâncias são bem inusitadas e pouco eu poderia fazer para evitar as derrotas. Avaliem por vocês mesmos nas histórias a seguir.

Não Mereço Coisa Cara: Perdendo Coisas em Grande Estilo pelo MundoWhere stories live. Discover now