4 - Apostando alto no Canadá

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Quando eu conheci a Becca, eu achava que eu era o campeão mundial dos bens perdidos, mas finalmente havia encontrado uma competidora à minha altura. Assim como eu, não era de hoje que ela exibia esse talento: os cartões do banco exibiam o número já era o décimo-oitavo. Celulares foram vários em diversas circunstâncias diferentes. A diferença para mim é que ela parecia nem ligar quando perdia alguma coisa. Eu até tentava chacoalhar lá ela com o mesmo tipo de ideia que eu fico tentando impor a mim mesmo.

"Perder as coisas é jogar dinheiro fora, além de ser muito inconveniente!"

Mas ela parecia nem liga para nada, nem se abalava depois de cada celular perdido.

Uma história lendária sobre a Becca é de quando cruzamos o Canadá de costa a costa (Pacífico-Atlântico) num Volvo. O banco de trás e a mala do carro estavam lotados de coisas que ela recebeu de herança do pai dela que havia acabado de falecer. Entre as coisas que ela recebeu estava o anel de noivado do pai e uma pepita de ouro que além de valerem milhares de dólares, tinham um valor sentimental incalculável para ela.

Nós fizemos a nossa jornada acampando em parques nacionais e, às vezes, na casa de familiares ou amigos da Becca. Em certo momento da viagem nós cruzamos as Montanhas Rochosas (Jasper-Banff) que, certamente, é uma das estradas mais bonitas do mundo. Montanhas, glaciares e lagos azuis turquesa.

Quando estávamos perto de Lake Louise a Becca percebeu que havia esquecido a bolsa dela em algum lugar. Provavelmente em cima do carro. Nós voltamos mais de uma hora olhando a pista em busca da bolsa dela. Procuramos no último estabelecimento que havíamos visitado e deixamos um recado com o e-mail dela.

Não havia mais o que fazer então fomos até a polícia montada canadense fazer uma queixa. Eu não vi nenhum cavalo, mas os oficiais usavam chapéus legais. Morar naquelas montanhas, andar a cavalo e resgatar bolsas extraviadas deve ser uma maneira legal de levar a vida. Eu até ia deixar o meu Currículo, mas pra se candidatar tem que ter morado no Canadá por pelo menos 10 anos. A Becca fez a queixa da bolsa perdida, além de mais um cartão do banco e da carteira de motorista. Eles emitiram um documento provisório de habilitação para que ela pudesse usar durante a viagem e com isso estávamos preparados para seguir viagem.

Eu já nem me lembrava dessa bolsa perdida quando a Becca pareceu levar um choque de surpresa. Ela não só havia esquecido a bolsa, como também havia esquecido o que havia dentro dela: o anel e a pepita de ouro! Ela achou que o lugar mais seguro para levar o ouro era junto com ela na bolsa, porém todos os itens que teoricamente estavam menos seguros, jogados pelo carro, completaram a viagem. Ela não se lembrou da aliança ou da pepita nem para dar queixa à polícia horas depois do ocorrido! Agora já estávamos a centenas de quilômetros de distância, o que era uma pena, pois seria muito engraçado ver a Becca explicando pros policiais que havia esquecido de relatar o sumiço de todo aquele ouro.

A situação era engraçada, mas não deixava de ser uma tragédia. Quando eu não estava dando risadas eu sentia um aperto no coração por aquele desperdício, mas a Becca não se abalou. Não existe problema grande o suficiente para acabar com o bom humor dela.

Alguns dias depois, centenas de quilômetros de onde perdemos a bolsa, a Becca deu partida no Volvo e alguns livros começaram a voar pela pista. E lá fui eu correndo, me esforçando para não ser atropelado e ainda salvar os livros naquela ventania. Aconteceu com os livros a mesma coisa que aconteceu com a bolsa com a pepita de ouro: foram esquecidos em cima do carro.

Quase um ano depois da história da bolsa perdida a Becca por acaso checou a caixa de spam do e-mail dela e encontrou uma mensagem de alguém que encontrou a bolsa. Não bastava ter se esquecido do ouro ao falar com os policiais, ela também não se lembrou de checar o e-mail! A mensagem falava apenas da bolsa, nada sobre ouro, mas depois de tanto tempo assim, provavelmente, nem faria diferença.

Eu espero que não, mas a Bequinha parece mesmo incorrigível. Ela certamente merece a honraria de ser a medalha, ops, Pepita de Ouro na Categoria Desapego. Parabéns Becca, grande campeã do prêmio desapego!

Não Mereço Coisa Cara: Perdendo Coisas em Grande Estilo pelo MundoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora