Lázaro

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Um tronco de madeira fincado no solo, dois metros de altura. Madeira nobre, vinda da Floresta Real. Nome simples, para um lugar que não possui nada de especial. Justo. Os nobres são desprovidos de muitas coisas, inclusive criatividade. Deram tal nome à mata pois somente a nobreza do continente de Cínder podia ter acesso a essa matéria prima. Pura estética, a madeira em si não possui nenhuma propriedade que se destaque. Os troncos enegrecidos ao sul possuem uma notável resistência ao tempo, perfeitos para móveis, enquanto que os troncos ao norte possuem uma seiva largamente utilizada na medicina. O Trapê, que foi escolhido pelos ricaços, não possui nada além de beleza. Os infelizes, em sua bolha de perfeição, proibiram os plebeus de possuir qualquer bem material fruto do refino de Trapê. Proibiram também, que qualquer um abaixo da nobreza possuísse uma árvore da espécie em seu terreno, limitando todos os exemplares vivos a estarem confinados  em uma região no centro do continente protegida por  guardas. E o importante é que, além deles, ninguém se importa com o pobre Trapê. Os mais carentes de dinheiro estão mais interessados em qualidade do que beleza. E além disso, o custo em cima de todo processo impede que qualquer miserável possua uma única cesta de frutas feita da tal madeira.

E isso nos leva a querer saber o motivo de haver um tronco de Trapê fincado no chão, em um terreno ao sul do continente. Roubo? Tráfico? Talvez. Anarquia? Provável. Ou, alguém um dia pode ter imaginado que um nobre sentiria uma gama de sentimentos ruins ao ver uma madeira desta "qualidade" servindo como alvo para machados de arremesso. E é justamente por isso que o tronco está lotado de fendas. Lascas caídas em volta, fruto de arremessos que por pouco falharam. O alvo é esguio, porém, o prazer em acertar cada machado e estar desobedecendo várias regras ao mesmo tempo faz com que Lázaro se sinta vivo. Ele sabe que não é muito, mas se contenta com pequenas revoltas em seu dia a dia contra os nobres.

Os machados possuíam um encaixe perfeito para as mãos do rapaz de 20 anos. Ele mesmo os esculpiu. O metal era o melhor existente no continente, combinava leveza e dureza de uma maneira que nenhum outro conseguia. Como é de se imaginar, os pobres não tinham acesso a este tipo de coisa. A não ser que roubassem, tal como fez Lázaro. A nobreza fazia uso deste metal por obrigação, pois se dependessem de sua estupidez, suas armas e armaduras seriam de ouro e prata. 

"Espero um dia poder trocar esse Trapê pela cabeça do Rei." Pensou. Seus olhos castanhos estavam travados no alvo, a musculatura de camponês trabalhador estava toda em posição para garantir o melhor arremesso possível. A imaginação fluía enquanto o rapaz pensava quem substituiria seu alvo em um futuro próximo. Então, com um movimento rápido, o machado era lançado precisamente ao meio do tronco. "Isso deve bastar para partir o Rei em dois."

O sonho de Lázaro era saborear a agonia de qualquer nobre, especialmente do Rei. O tirano desgraçado que não servia para nada além de dar ordens desnecessárias e fazer todo os cínderos sucumbirem. Digo, os pobres. A nobreza nadava de braçadas, uma vida inteira sustentada pelo braço dos operários. O Rei, no caso, nunca fora visto ou ouvido em público. Alguns até questionavam sua existência. Porém ninguém se atrevia a tentar descobrir o que de fato existia na torre mais alta do continente. 

"É melhor estar preparado com armas comuns até eu aperfeiçoar minha técnica com as chamas." Pensou, retirando as luvas de couro que protegiam as mãos. Ao se concentrar um pouco e atritar as palmas, Lázaro criou uma pequena bola de fogo, que logo foi arremessada contra o tronco. Foi o suficiente para causar um pequenino trovão, tal como os Incendiários mais habilidosos faziam, porém de maneira muito mais violenta e estrondosa. Também, a pequena chama deslocou o tronco de lugar. Com isso ele podia atacar um ser humano normal e arremessa-lo a uns dois ou três metros, além de causar uma queimadura grave no local. Mas não era isso que Lázaro queria. Seu desejo não era arremessar nobres, mas sim cozinha-los em chamas infernais, como se estivesse colocando as almas dos desgraçados dentro de uma caldeira de metal fervente.

KaméliaWhere stories live. Discover now