||SEJA SUA PRÓPRIA HEROÍNA||

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"as mulheres são
consideradas
posses
antes de sermos
consideradas
seres humanos
& se nossas portas
& nossas janelas
forem arrombadas
por homens perversos,
então somos julgadas
sem valor…
excluídas,
desprezadas.
então nos mudamos dos
nossos bairros
& criamos lares
em cada uma de nós."
— Amanda Lovelace.

___________________________SEJA SUA PRÓPRIA HEROÍNA

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SEJA SUA PRÓPRIA HEROÍNA .

 

7 de maio.

       Nos filmes, eu sou a princesa, presa em uma torre, adormecida em um caixão de vidro ou com uma terrível maldição jogada sobre mim, em que um príncipe corajoso, com sua espada reluzente, me desperta e me salva da minha própria história.

         Porque por algum motivo, me fizeram dependente dele para sobreviver.

        Em uma análise histórica, mais precisamente na idade média, eu sou uma pecadora em potencial, aquela que descende de Eva, culpada pela queda dos seres humanos. Eu sou aquela em que as antepassadas sofreram com a demonização da mulher, acusações de bruxaria e consequentemente, atiradas na fogueira.

         Eu sou aquela que descende de mulheres fortes, que tentaram ser as protagonistas de sua própria história, e que foram queimadas e ao mesmo tempo incendiaram o mundo com sua luta e conhecimento.

           E por ter nascido mulher, em um mundo onde a misoginia ultrapassou séculos e persiste até hoje, eu também sou aquela que tem medo de se tornar mais uma em um grande índice de mulheres vítimas do feminicídio.

             Além disso, eu também tive que dizer adeus para várias coisas na minha vida, não por que eu queria, entretanto porque foi tirado de mim, sem consentimento, sem permissão, apenas fui obrigada a falar Adeus. Adeus para minha liberdade de andar pelo meu bairro, independente do horário, e não sentir medo de ser assediada. Adeus para minha liberdade de escolher a roupa com a qual me sinto bem por medo de homens perversos abusarem de mim.

         Eu fui ensinada a evitar o estupro, o assédio, quando na verdade o verdadeiro problema não está em um short um pouco mais curto, em um vestido colado no corpo, em uma blusa que deixa seus seios um pouco mais amostra ou em uma roupa que mostre um pouco da sua barriga. O problema está em uma cultura chamada cultura do estupro, enraizada na sociedade juntamente com a cultura do machismo.

          Mas ainda sim, por algum motivo ainda acham muito mais fácil nos ensinar como nos comportar para evitar algumas situações, do que combater um mal enraizado desde de que o mundo é mundo.

           Eu disse adeus a várias coisas para as quais eu jamais deveria ter dito, mas fora retirado de mim de maneira tão sorrateira e suave que não percebi, e acabou se tornando normal não ter a minha liberdade.

               
             Eu ainda me lembro quando suas mãos grossas e quentes tocaram meu corpo fino e pequeno, ele era relativamente mais alto do que eu, com aparência calcasiana; seus cabelos, com fios pretos e ondulados, chamavam a atenção de quem quer que olhasse, sua barba o dava um certo charme, charme o qual depois daquela noite, jamais consegui enxergar novamente. Seu sorriso era capaz de seduzir quem o olhasse, uma risada sincera e singela, carregada de um erotismo secreto, que invadia nossa alma carregada de simplicidade e alegria. Entretanto, sem sombra de dúvidas, jamais me esqueceria do seu olhar, a perversidade que se escondia por de baixo de seu olhar doce e gentil, o qual ficara gravado em minha mente, e que insistia em me atormentar todos os dias.

          Na época, eu não entendia que atrás de todo romance e fofura, poderia haver perversidade, maldade. Nossa tarde fora legal, havíamos ido à uma cafeteria que abriu no início do ano em nosso bairro, apesar de simples, era um espaço aconchegante e acolhedor, ao mesmo tempo que tinha um ar sofisticado, trago pela decoração do local e a iluminação. Estávamos saindo há 4 meses, e ainda não havíamos tido relações sexuais, eu era virgem, e ainda não me sentia pronta para qualquer tipo de contato mais íntimo.

          Depois do café, nós fomos para sua casa assistir à um filme. Era a primeira vez que eu tinha aceitado ir ao seu apartamento. As vezes as pessoas confundem simpatia com um convite. Mas uma saia, um sorriso, nada disso é um convite para qualquer pessoa tocar em nossos corpos. Naquela noite, ao som de uma melodia suave que fazia parte da trilha sonora do filme que estávamos assistindo, ele me olhou, com um olhar sedutor, que parecia penetrar na minha alma de maneira sagaz e misteriosa. Suas mãos foram em direção ao meu rosto, colocando uma mecha de cabelo para trás da orelha, e eu ri com a cena clichê que tinha acabado de vivenciar.

           Eu me perdi completamente em seu olhar, e tive o desejo de beijá-lo, desejo esse que foi realizado pelo homem que estava sentado na minha frente, selando nossos lábios em um beijo apaixonado. Essa noite poderia ter sido perfeita, mas não foi.

          Eu não me lembro ao certo quando, mas as coisas começaram a esquentar, ele me pegou em seu colo e me levou para seu quarto. Deitada em sua cama, nossas roupas já não se encontravam em nossos corpos, e tudo parecia perfeito. Então o pensamento de que eu era virgem invadiu minha cabeça, e a insegurança me invadiu de uma forma que soube na mesma hora que eu não estava pronta para aquilo.

          E eu pedi pra ele parar. Mas ele continuou.

          "Você vai gostar", ele dizia, ou "Você não pode me deixar desse jeito". Suas mãos continuaram percorrendo meu corpo, enquanto eu pedia para ele parar. Minha visão começara a ficar completamente embaçada devido às lágrimas que se formavam, e logo começaram a cair pelo meu rosto. Eu disse adeus ao meu direito de ser ouvida, de dizer não, porque quando mais eu implorava para ele parar, mais animado ele ficava.

           Então eu disse adeus a minha virgindade, a única coisa sobre a qual eu achava que teria o controle sobre quando eu diria adeus, mas isso foi tirado de mim.

          E durante meses, eu fui alvo de piadas, julgamentos, por conta de algo que foi roubado de mim. Durante anos, eu não permiti o toque de outra pessoa sobre o meu corpo.

          Porque ser mulher, é viver em constante medo de ser violada, assassinada, assediada, e mesmo assim, a sociedade ainda arranja um jeito de nos tornar culpadas. Então eu descobri que eu não era a princesa em perigo que precisava de um príncipe encantado para me salvar, eu precisava ser a heroína da minha própria história, porque o príncipe encantado, também pode ser o vilão.

          Eu decidi que queria incendiar todos ao meu redor, mesmo que tivesse que ir para a fogueira por conta disso. Afinal, bruxas não passam de mulheres inteligentes que não aceitaram conviver em uma sociedade machista e opressora, e que estavam completamente a frente de seu tempo.

           E foi assim que eu disse mais um adeus dentre todos aqueles que eu já havia dado, e talvez o mais libertador, o adeus a princesinha frágil que fora criada dentro de mim, dando espaço a guerreira que eu tinha na minha alma.

   

           

Antes De Dizer Adeus Where stories live. Discover now