||MOTIVOS||

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motivo

Aprenda a pronunciar

substantivo masculino

1.

razão de ser, a causa de qualquer coisa.

"todos desconheciam o m. do seu constante mal-estar"

2.

DIREITO PENAL

causa moral ou material de um crime.

causa moral ou material de um crime

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MOTIVOS.

11 de maio.

Decidi hoje encontrar no adeus, motivos para agradecer.

Querido pai, quando o senhor foi embora meu mundo caiu. Sempre achei que nossos progenitores seriam aqueles que estariam ao nosso lado, nos protegeriam, nos fariam sentir-se especial, mas ao que aparenta, nem sempre é assim. A verdade é que não fui só eu quem dei adeus no dia em que você partiu. Quando alguém vai embora, a gente nunca sabe ao certo que caminho aquela pessoa irá seguir, e talvez isso assuste um pouco, porque não sabemos quando nossos caminhos irão se cruzar novamente; talvez seja daqui há um ano, três, vinte ou nunca, o futuro é coberto de incertezas, e eu não tinha a convicção de que te reeincontraria. Outrora, vi as lágrimas nos olhos de minha mãe, aquilo também doía nela, e eu não poderia colocar a minha dor acima da dela. Todavia, há cinco estágios do luto, e um deles, talvez o pior, é o da raiva. Então eu culpei todos pela sua partida, até mesmo minha mãe. Mas ninguém tinha culpa da sua escolha. Você estava dizendo adeus para mim antes mesmo de assinar o divórcio. Queria me lembrar de um momento feliz de nós dois, queria poder me recordar de você nas festas escolares, mas eu não me lembro. Existem ex mulheres, pai, mas não existe Ex filho, entretanto está tudo bem. Você disse adeus a oportunidade de fazer parte da minha vida, mas mesmo assim, obrigada, porque também me deu a oportunidade de conhecer pessoas que ficaram extremamente felizes de fazer parte da minha trajetória. Encontrei no seu adeus oportunidades de dizer "oi" para pessoas que se importariam verdadeiramente. Ademais, aprendi que família não é apenas quem tem o mesmo sangue, e sim também aqueles que nosso coração escolhe e que sabemos que sempre poderemos contar. Você ajudou a me trazer ao mundo, mas o papel de pai não foi o senhor quem cumpriu.

Queridas pessoas as quais a Dona Morte abraçou e levou para uma viagem além do nosso mundo, eu perdi vocês, mas não completamente, porque sempre permaneceram vivos em minhas lembranças, e essas memórias pretendo levar comigo para meu túmulo. Vocês também disseram adeus à todos ao chegarem na última fase desse imenso jogo da vida, a morte. Apesar de achar que alguns se foram cedo demais, eu agradeço ao tempo e a Dona morte pelos momentos que me deram com vocês antes de os tirar de mim, e me obrigar a dizer adeus. Superar não foi fácil, todavia, me deu a oportunidade de me tornar mais forte, e conhecer melhor a guerreira que habitava dentro de mim. Obrigada, e espero estar mais preparada para próxima vez que a Dona morte quiser estender suas mãos e me abraçar, deixando apenas as lembranças de quem se foi. Talvez eu nunca esteja.

Ao meu estuprador, hoje eu sei que não fui e culpada. Através do nosso infeliz momento, eu consegui encontrar um grupo de pessoas que haviam passado pela mesma experiência, comecei a pesquisar mais sobre feminismo, cultura do estupro, misoginia e muito mais. Fiz amigas que me incentivaram, apoiaram e secaram minhas lágrimas. De alguma forma passei a me conectar mais ainda com a mulher forte que há tempos habitava dentro de mim. Eu não tenho nada para te agradecer. Porém, agradeço à todos que não me apontaram o dedo na rua, que não riram de mim e tentaram de alguma maneira me apoiar. No meio de uma situação completamente incômoda, eu pude rever minhas amizades e prezar por aquelas que realmente eram verdadeiras.

A verdade é que todos nós sempre iremos dar Adeus à algo em nossas vidas, e o que escrevi aqui foram os principais em toda minha vida, e que de alguma forma, ajudaram a formar a Pietra de hoje em dia. Eu vi pessoas indo embora e entrando em minha vida, e as vezes me pergunto "E se?", todavia, volto a ficar grata por tudo o que aconteceu, porque a dor também faz parte da nossa longa e ao mesmo tempo tão curta jornada no mundo.

Eu Não sei porque escrevi esse diário, entretanto sei que posteriormente ele será mais um na minha longa lista de adeus. Talvez ele tenha sido uma maneira de colocar no papel a minha dor e finalmente dar um verdadeiro adeus antes da despedida final. Porque enquanto minha mente permanecer remoendo lembranças de um passado doloroso, não estarei seguindo verdadeiramente em frente.

Por vezes, nos apegamos ao que já se foi porque temos medo daquilo que está por vir. Muitas vezes me peguei falando sobre coisas que já se foram, sobre momentos que jamais retornariam, mas que por algum motivo eu queria mantê-los vivos, me agarrando à tudo aquilo que já se foi e ao que poderia ter sido.

Meu pai poderia não ter partido, mas ele partiu. As pessoas poderiam viver para sempre, porém não vivem. Estupradores poderiam não existir, tal como uma sociedade machista e opressora, que nos ensinam todos os dias como não sermos estupradas ao invés de ensinar os homens à não estuprarem. Eu poderia não ter sido vítima desse ato cruel que é o estupro e dos julgamentos que veem após esse acontecimento, todavia eu fui. Meu marido e meu bebê poderiam estar vivos, saudáveis e formaríamos uma família feliz, mas não estão, e talvez se estivessem, eu não teria conhecido meu melhor amigo e companheiro de vida, Nicolas, um homem estudioso, carinhoso e que me ajudou no processo de luto e recuperação após o acidente, com o qual tive a honra de me casar, e tão pouco teria tido Petra e Clarice, duas adoráveis meninas que trouxeram demasiados momentos repletos de amor e alegria.

Coisas ruins e tristes acontecem à todo momento, todavia devemos aprender à não lamentar pelo passado, sobretudo a agradecer pelo nosso presente e por aquilo que temos.

Hoje faz 11 dias que comecei a escrever sobre tudo o que aconteceu, e finalmente me sinto pronta para deixar o passado onde ele deve ficar, e seguir em frente.

Adeus à ao passado que já não irá mais me atormentar.

~Fim do diário.~

Havia um pequeno sorriso em sua face, algumas lágrimas insistiam em cair rolando vagarosamente por suas bochechas, enquanto seus olhos se fechavam ao sentir a brisa fria sendo soprada no seu rosto. Mais uma vez ela se sentava na janela e escrevia no pequeno caderninho preto em suas mãos, na companhia de seu fiel companheiro Dude, um pequeno poodle que havia achado perdido perto de sua casa.

Pietra já havia dado tantos adeus em sua vida, mas para ela seu maior desafio era dizer adeus ao seu passado e desapegar das coisas que aconteceram anteriormente. Estava pronta para viver sua vida em paz e um futuro sem medo de que tudo se repetisse. Afinal, ela não tinha muito tempo antes de seu adeus final.

Logo logo ela seria a pessoa a qual todos iriam dizer adeus.

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NOTAS DA AUTORA.



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Antes De Dizer Adeus Where stories live. Discover now