Vinte e três

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Já era tarde quando Flora despertou no dia seguinte. A cama macia, o quarto quente e aconchegante e a mínima noção de estar em um ambiente mais próximo da realidade de seus próprios aposentos no palácio, permitiu que seu corpo relaxasse e sua mente vagueasse por lugares tranquilos durante a noite.

A primeira reação de uma pessoa ao despertar, como creio que você, leitor, deve supor, é abrir os olhos e sentir o choque da claridade invadindo o cômodo através das grandes janelas abertas por uma criada pronta para servir sua hóspede. Porém, Flora agiu completamente diferente. Ela suspirou e sorriu, ainda tomada pelas emoções de certo sonho um tanto imprudente.

Imprudente! Sim, muito imprudente!

Agora sim posso relatar como ela abriu os olhos, erguendo-se de súbito e avaliando o ambiente ao redor, dando-se conta de que não estava mais em um dos jardins do palácio de Or na companhia de ninguém menos que...

— O Sr. De Baruch pediu para despertá-la, senhorita — a jovem declarou um tanto acanhada assim que percebeu a movimentação da princesa agitada na cama.

— Sr. De Baruch? — Flora indagou tentando colocar seus pensamentos em ordem, buscando diferenciar a realidade da fantasia de seus sonhos.

— Sr. Philip — esclareceu a menina que trajava um vestido preto e um avental branco por cima. — Ele perguntou sobre a senhorita várias vezes e, por fim, preocupou-se de que perdesse o horário do almoço.

— Do almoço? — Flora indagou jogando as cobertas para o lado. — Dormi tanto assim?

A resposta veio no formato de um sorriso tímido e sincero. Sim, ela havia dormido muito além da conta. Nunca teria tido o luxo de desfrutar de tantas horas de sono em sua casa, seria duramente repreendida se perdesse o desjejum. Sentiu-se envergonhada por sua falta de modos, a ponto de ter causado preocupação no ocupado cavalheiro.

Com a ajuda da menina, a princesa foi devidamente vestida com trajes apropriados, oferecidos pela dona da casa. Um penteado elaborado foi feito em seus cabelos e ela sentiu um aperto no peito ao se olhar no espelho. A princesa Flora se evidenciara, dando espaço para controversos sentimentos de culpa, apreensão, medo, ansiedade, expectativas, saudade...

— A senhorita está linda — a menina ousou elogiar quando se afastou de Flora.

— Obrigada. Acho melhor não deixar o Sr. De Baruch mais preocupado — Flora brincou e não escapou de seu atento olhar a maneira que a menina reagiu, abaixando a cabeça com as maçãs do rosto levemente tingidas de vermelho. — Ele é um bom homem.

— Sim, com toda certeza — ela disse e depois de um suspiro, ergueu a cabeça unindo as mãos, um pouco embaraçada.

Curiosa para desvendar o motivo daquela reação na menina, Flora andou pelo quarto e foi até seus pertences, adiando sua partida.

— Você o conhece, eu suponho — disse olhando para ela com o canto dos olhos.

— Sim, todos em Or conhecem o Sr. De Baruch — ela respondeu com segurança. — Ele é admirado por qualquer cidadão do reino.

— Ah! — Flora ergueu o tronco com as mãos na cintura. — Então, você é de Or também!

A princesa testemunhou o estranho comportamento da criada. Ela parecia embaraçada, mas também um pouco triste.

— Não exatamente... Bem, agora sim... Quero dizer, eu estive por lá e fui enviada para servir com a senhora Bascher aqui na torre. Eu, bem, sou uma jovem solteira e não tive um pretendente para... — A menina parecia cada vez mais constrangida, para surpresa de Flora. — Quando cheguei a Or, estava muito assustada e sozinha... O nosso rei achou melhor me trazer para cá, onde eu me sentiria mais segura porque... Eu... O Sr. Philip é um grande homem! Não conheço outro melhor do que ele — afirmou por fim, finalizando sua dificultosa resposta.

A princesa desacertada (e seu irremediável destino)Where stories live. Discover now