INTERLÚDIO I

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Observação: os capítulos fazem parte de um processo e desenvolvimento da história. Não foram editados profissionalmente, tendo apenas uma breve revisão. O livro 100% editado e revisado virá em um futuro próximo.


Em algum lugar no nosso tempo e espaço

Nem todas as escolhas em uma vida são perfeitas. Nascemos, morremos, voltamos a viver em corpos diferentes, em outros planos e linhas temporais, mas as decisões que tomamos no passado permanecem conosco, não importa por quantas vidas a uma alma navegue. Jerome ainda era jovem demais para saber dessas coisas, ou para entender que aquela coceirinha que sentira atrás da cabeça antes de sair de casa era sua intuição lhe avisando para levar um guarda-chuva quando saísse, e não um efeito do xampu ruim que tinha usado no banho.

Embaixo da marquise, escondido do vendaval que empurrava tudo que se movia pela rua após o dia virar noite, o garoto amaldiçoou aquela chuva com todo o ódio que ainda carregava dentro de si devido à última aula de matemática. Para ajudar, os tênis estavam encharcados e a pasta com as apostilas do pré-vestibular ensopada. Torcia para que, pelo menos, os exercícios do simulado antes estivessem secos.

A porta atrás dele se abriu, uma senhora envolvida em um xale cor de madrepérola apareceu no corredor do prédio antigo, ela o olhava com tamanha serenidade que foi impossível recusar o convite vindo em seguida:

— Menino, entre! Vai ficar gripado! Tô te vendo faz hora aí tremendo de frio. Vem, acabei de passar café.

Bem que Jerome havia fisgado um cheirinho de café recém-passado no ar. Ele olhou para o prédio e viu a janela de um dos apartamentos do térreo entreaberta, por onde um fino fio de fumaça escapava. A luz lá dentro era esverdeada, um tanto suspeita, mas algo atraía seu olhar, o chamando.

— Venha, não vou te morder! Não vai conseguir pegar ônibus, ou essas coisas aí que vocês chamam no celular, pra vir te buscar.

Uber? – Jerome perguntou, erguendo uma das sobrancelhas.

Deve de ser! Vamos, te dou uma toalha pra você se secar e quando o temporal diminuir pode ir pra casa.

Tudo já tinha ido bem mal para uma sexta-feira, então restou à Jerome encarar aquilo como um sinal para ter o mínimo de sossego. A senhora sorriu com os olhos ao vê-lo se aproximar, os olhos azuis-esverdeados iluminando as rugas que imprimiam o tempo na pele branca.

O garoto a acompanhou para dentro e logo foi envolvido pelo xale com cheiro de amêndoa. Era quentinho, mas ainda não resolvia o tanto que a chuva havia congelado seu corpo. O corredor do prédio estava quieto, a única coisa que se ouvia era a ação do vento e da chuva soprando pelas escadarias acima deles.

Deixando o chinelinho de pano no capacho, a mulher girou a chave na porta e fez uma pequena reverência para que Jerome entrasse:

— Licença – disse ele, educado, como a mãe havia ensinado.

Ela também tinha ensinado que não devia entrar em casa de estranhos, principalmente de senhorinhas polacas do sul do Brasil. Para Dona Marisa, qualquer uma delas era uma bruxa em potencial, ou uma viúva de veterano de guerra que ainda tinha a cabeça quadrada para muita coisa.

— Vou pegar uma toalha, mas fica à vontade. Se quiser sentar aqui – A senhora puxou uma cadeira de plástico. – Aí não molha o sofá. Já venho.

— Obrigado – Jerome agradeceu, porém, é claro que não ficaria sentado. Não quando precisava averiguar a situação.

A salinha do apartamento era cercada com um conjunto de sofás alaranjados, muito limpos e com tapeçarias estampadas jogadas por cima dos furos, prováveis consequências de algum gato ou cachorro que não parecia estar mais ali. Uma pequena lareira ecológica, dessas que não precisam de lenha, estava acesa em frente à uma prateleira recheada com os mais variados livros. A biblioteca particular era invejável. Títulos famosos em edições lindas, com páginas grossas e encadernação de couro vermelho. Sua mãe já diria que eram livros de feitiço, mas ao se aproximar, ele se assegurou de que eram nada além de enciclopédias Barsa, já muito ultrapassadas.

Os Guerreiros de Alquemena - Livro 1: AURADonde viven las historias. Descúbrelo ahora