INTERLÚDIO II

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Em algum lugar no nosso tempo e espaço

— Essa não é uma história de amor. Muito menos de amor de mãe. Me desculpe pela grosseria. – disse Jerome, tomando um gole d'água. Tinha ficado tão nervoso conforme a dona Preciosa lhe contava a história, que precisou se levantar e ir até a cozinha, antes que saísse correndo.

A senhora suspirou, batendo as unhas na xícara de café:

— Ah, menino, o amor e o medo são sentimentos que andam juntos. Você tinha me dito que nunca se apaixonou, não é? Mas já sentiu medo?

— Medo eu tenho o tempo todo. De muita coisa. Muita.

— Ora, as Alquemenas também sentiam medo. De decepcionar as filhas, de não serem boas o suficiente... E tudo isso vinha do amor. Pelo povo, por aquelas que nasciam delas. Percebe?

— Não sei não. Bem, deixa pra lá. O importante é que: tem continuação, não tem? – Ele perguntou, lavando o copo na pia.

— Já falei pra deixar a louça aí, menino, você é visita. – Preciosa colocou a própria xícara na pia, espalhando seu perfume de amêndoas por perto do garoto. – Tem. Essa história é longa, levaria dias para te contar. Aí, quem sabe, entenda como o amor pode ultrapassar fronteiras, se mostrar junto ao medo, ódio e tantas outras coisas. Tenho uma ou outra história engraçada também...

O rapaz puxou o pano de prato de trás da tampa do fogão, enxugando as mãos e devolvendo-o no lugar. Os patinhos na estampa sorriam, felizes da vida. Depois do que ele tinha ouvido, só desejou por um instante que fosse um deles. Mas um calorzinho dentro dele o fazia ter vontade de saber mais sobre aquilo tudo.

— Posso passar depois de amanhã aqui pra ver a senhora?

Preciosa abriu um largo sorriso:

— Vou te ensinar a fazer o bolinho de fubá! Depois continuo a te contar um pouco mais do que aconteceu.

Jerome tentou disfarçar a empolgação:

— Mas vem cá, tenho outra dúvida. De que livro é essa história? A senhora é escritora, por acaso?

Preciosa foi guiando-o até a salinha e sentou-se no sofá enquanto ele verificava se os pertences já estavam mais secos:

— Quem me dera! Sou vivida, é isso que sou!

O garoto sacudiu a jaqueta e os tênis antes de colocá-los de volta. Desde que havia se mudado para Curitiba, pegara o costume de sempre averiguar os calçados e ver se não tinha nenhuma aranha-marrom dentro.

— Então a senhora inventou! Não é possível que tenha vivido tudo isso, né.

— Eu mesma não vivi. Minha coluna não ia aguentar enfiar uma espada no meu peito e sair cortando bicho por aí. Mas viajei bastante e ouvi um pedacinho aqui, outro ali, sobre esse mundo feito de estrelas. O Aureum. Fui encaixando uma coisa na outra, sabe? Essa minha versão pode ser só coisa da cabeça mesmo, mas... Vai saber?

Preparado para sair, Jerome deu uma espiada pela janela e viu que o tempo havia melhorado o suficiente. Ainda tinha dois ônibus pra pegar antes de chegar em casa, nem ousou olhar o valor de uma carona nos aplicativos do celular. Bastava chover para os preços irem às alturas. Tinha que deixar as perguntas para outro dia e partir naquele instante.

— Obrigado por hoje. Acho que eu tava precisando de uma tarde assim. O bolo estava muito bom também, aliás. – agradeceu, indo até a porta.

— Espera um pouquinho. – Preciosa deu um pulo na cozinha, voltando de lá com um tupperware de tampa roxa, envolvido em um pano de prato. – Quando voltar, me traga o pote de volta. Assim fica sem desculpa pra não passar aqui.

Os Guerreiros de Alquemena - Livro 1: AURADonde viven las historias. Descúbrelo ahora