Prólogo: As Velhas Estrelas

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Aureum

Era do Luar - Terceiro Ciclo

Os corpos caídos e o sangue derramado da última batalha costuravam os destroços da cidade de Gália, tornando-a uma mortalha que cobria toda a desgraçada dos dias passados. Luna observava tudo do alto da torre, ao lado de uma estátua decapitada com longas asas de mármore. As lágrimas vertiam pelo seu rosto, misturadas à fuligem, feridas e outros restos de memórias recentes. Chovia, mas ela nem mais sentia – estava entorpecida pelo próprio fracasso.

Sentia-se falha em ser uma rainha. Falha em ser mãe. Era como se, no momento em que Lorenai nasceu, parte de seu poder tivesse se esvaído junto às monções dos Ciclos. Sempre soube que ser mãe incumbia em abdicar de parte de si mesma e partilhar seus dias, vontades e anseios com outro indivíduo que agora dependia dela, unicamente, no mundo todo. A maternidade obrigatória das rainhas Alquemena era uma dádiva e uma maldição, mas ainda que trouxesse essas tempestades internas, Luna aprendera a amá-la, mesmo não sabendo até que ponto aquele amor tornara-se parte das suas responsabilidades ou um sentimento verdadeiro batendo junto ao coração.

Lorenai, ao menos, ainda estava viva, protegida no castelo, em repouso. Já seus outros filhos, aqueles que não partilhavam sangue, mas vivência, não podiam dizer o mesmo. Estes haviam sido levados para o ventre da eternidade.

Os Guerreiros de Alquemena, uma vez tão jovens e cheios de esperança no olhar, espalhavam-se pelas cidades de Asgaha como cadáveres. A aura de cada um, a energia vital presente nos Filhos da Quimera, tinha se tornado mais uma memória, um fardo para Luna carregar. Lembrava-se da euforia quando eles descobriram os poderes, aprendendo a manejar as Armas Sagradas, e segurava as lágrimas para não derramar mais tristeza ao seu redor.

— Majestade – Khalina a chamou, aos pés da torre. A armadura da Amazona de Opala manchada de rubro. – A contagem está feita.

Luna prendeu a energia etérea em torno de si, descendo como um cometa dourado até o campo. Ao manter a aura rente ao corpo, controlou-a para que ficasse apenas na forma de uma fina linha contornando seus traços, em partículas que balançavam junto às fagulhas das fogueiras por perto.

— Quantos? – indagou, aproximando-se da Amazona.

Khalina retirou o elmo, a pele marrom sendo banhada pelo alaranjado das labaredas. Sua aura contida em uma esfera cor de esmeralda, sempre girando em torno das tranças de onde lanças pendiam nas pontas.

— Quinze em Gália. Dez em Álamos. Ainda não tivemos resposta de Verictus, mas acreditamos que cerca de três da primeira ordem...

— Quem? – A rainha a interrompeu. – Diga-me, por favor. Seus nomes não podem ser esquecidos. Não serão esquecidos.

Khalina sentou-se ao lado de Luna, descansando o elmo em uma rocha. Era impossível evitar os olhos analíticos da Alquemena, com a tristeza de todas aquelas que vieram antes dela refletidas nos tons de lápis-lázuli.

— Os irmãos, Jasmine e Hermes. A terceira arma que apareceu no cemitério foi a de... – Ela engoliu em seco antes de continuar. – ... Athos. O Arco e Flecha.

Luna ajoelhou-se, deitando a cabeça nas pernas da outra mulher. Khalina acariciou os longos cabelos louros, sem saber como apaziguá-la.

Com a voz abafada no corpo metálico da Amazona, a rainha prendia o choro na garganta:

— Não posso suportar mais, Lina. Não consigo. São muitas vidas inocentes perdidas, para proteger o que? O reino? A mim? Isso não vale de nada. Há um limite para o egoísmo. Eles estão se arriscando, você está tomando riscos muito acima do que deveria. Só há um jeito de parar essa guerra. Eu sei o que eles querem, me resta ter a coragem de entregar.

Os Guerreiros de Alquemena - Livro 1: AURAWhere stories live. Discover now