Quadros

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Por marcelodocx

Eu queria correr pra onde as telhas estão velhas e haja carcaças de automóveis enferrujados nas quais se possa subir e passar a tarde.
Eu queria subir num penhasco pra olhar nos olhos dos fogos de artifício e ao som das explosões trocar socos com meu demônio particular.
Eu queria subir o alto mar boiando numa guimba de cigarro aceso e molhado, perdido e sem causa, prestes a ser tragado por um predador desavisado.
Eu queria trabalhar nos dutos das formigas, nos complexos de cômodos das abelhas, nas pequenas montanhas que fazem os cupins, estar no meio de um propósito.
Eu queria trabalhar um trabalho ingrato, tirar o pó das paredes, varrer a laje, lavar as pedras do rio, um infinito de fazer, uma ocupação contínua que me impedisse de pensar na solidão da vida sozinha.
Eu queria estar de corpo presente na noite selvagem, banhado em sereno e em expectativa de ver um avião cruzar com as estrelas, uma alucinação coletiva, eu queria uma prova de que estou vivo.
Mas aqui assisto a roupa secar no varal, os dias quarando nas poucas horas em que o sol visita minha casa, o pouco a fazer repetitivo vai me alvejando, deixando manchas, amaciando minha carne... enquanto os meninos soltam pipas sobre minha cabeça.

Talvez eu possa tudo o que quero, talvez seja questão de movimento, mas talvez se esteja errado e nada do que se faça, nenhuma causa, cause efeito... bem feito... pra mim.

M-24 Momentos Poetizados Where stories live. Discover now