Capítulo 3

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Abby

Como fui deixar acontecer? Eu tinha tudo trancado, escondido, ninguém entrava, ninguém chegava perto, estava proibido sentir, estava proibido abrir espaço, por

que ele fez isso? Por que eu participei disso?

Toco meu rosto, lágrimas, lagrimas, elas não podiam estar aqui, por isso ninguém chegava perto, porque pessoas fazem isso, magoam, pisam, humilham, eu não choro, eu não me dobro, eu não me rendo, eu não posso, eu não sei viver assim.

Tento secá-las, mas elas insistem, elas continuam a cair, um buraco se abre, ou talvez nunca tenha sido mesmo fechado. Ele brincou comigo, fez como todos sempre fizeram, como se eu não fosse nada, como se não tivesse sentimentos.

As lagrimas teimam em cair. Quando foi a última vez que chorei?

Aos quinze anos, quando ouvi o disparo corri e meu pai estava com uma arma na mão e uma bala na cabeça? Uns meses depois quando fui enfiada em um carro de polícia e levada para um reformatório? Não. Não foi essa vez, talvez depois da primeira surra, ou da segunda? Quem sabe quando estava na enfermaria toda quebrada desejando desesperadamente a morte para acabar com minha dor e medo? Não. Sei exatamente quando foi a última vez que chorei, foi aos dezoito anos, na última vez que fui espancada, humilhada e abusada, foi quando me ergui e finalmente devolvi a vida o que ela tinha me dado, quando espanquei aquela maldita na frente de suas companheiras até quase desfigurá-la, foi na solitária onde fui atirada por uma semana sem ver a luz do dia, recebendo aquela comida podre por um buraco sujo.

As últimas lagrimas que desceram por meu rosto vieram com a luz do sol, quando a maldita porta se abriu, tive de fechar meus olhos porque a claridade me feria a visão. Quando jurei que nunca mais perderia tempo com lágrimas e pessoas. As lagrimas foram embora e me tranquei.

Abri um espaço pequeno para Sam, é só um garoto, nunca ocupou muito espaço, mas então me deparei com ele. Zack, e ele me feriu, essa é uma nova dor, me fere de um jeito que ninguém nunca fez e por isso as lágrimas, porque não conheço essa dor, porque ela é nova e não sei lidar com ela.

Só quando Sam me chama é que me dou conta que é dia, que estou ainda no mesmo lugar que ele me deixou, sozinha, sem forças, perdida e com medo, eu odeio o medo.

Abro a academia, eu posso jogar essa dor com as outras, trancar tudo de novo e seguir, é isso que faço, eu sigo, sigo enquanto a vida me quiser, que se dane Zack Brow. Que se dane o mundo e as pessoas.

Se elas não se importam eu não preciso me importar também.

— Abby! – Sam surge ao meu lado, o garoto agora desempregado vai me perseguir dia e noite, guardo os papeis na gaveta e ergo meu olhar, atrás de mim os sons familiares de chutes, socos, respiração ofegante, pequenos gritos. – Zack me convidou para trabalhar com ele, acho que será perfeito, terei uma profissão, e vou fazer algo que acho que posso gostar muito.

— Sam... – Não sei o que dizer, ele precisa trabalhar, mas não sei se eu o queria na companhia daquele homem.

— Espera... Foi ele. É isso, foi ele que te fez chorar, o que o idiota fez? – Eu olho para Sam, passamos tanto tempo juntos que ele me conhece melhor que ninguém, suspiro.

— Estou bem e não quero falar sobre isso, esqueça as lágrimas. – Peço a ele o que não consigo fazer, esquecer.

— Vou voltar lá e dizer que não estou interessado no emprego, não quero ficar perto de alguém que te machucou.

— Ninguém me machuca, garoto. – A ideia me espanta e eu não quero admitir que sim. Isso me ofende. – Ele não tem nada com isso e vai aceitar o emprego, precisa e além disso, quer esse emprego. – Digo definitiva.

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⏰ Last updated: Jul 12, 2023 ⏰

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