Capítulo 4: It's Show Time!

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   Parei, respirei fundo, olhei pra trás e meus olhos encontraram os olhos de onça da Letícia que logo foram parar na minha saia. Eu também fiz isso, só que para o vestido dela, todo prateado e curto, porém nela parecia mais um espartilho apertado. Provavelmente era pra ser meu no show. Depois me virei e corri até eles poderem não me ver. Me misturei com a multidão e voltei até eles por um outro caminho, de modo que, fiquei atrás da muretinha em que eles estavam encostados conversando com as piores pessoas do mundo. Fiquei escutando tudo. Tudo tá dando errado desde que cortei o dedo no carro. Parece macumba.

-Você disse que era uma tal de Kely! Essa aí eu conheço! – Letícia argumentou.

-Eu disse KETY! É o apelido dela, não é gente? – Marcus respondeu.

-É. – Responderam os meus amigos.

-Kety? Por que esse apelido tão fofo? Aquela nerd é tão tímida que não tem nenhum amigo! Eu não tô entendendo nada! Como ela vai dançar sendo desse jeito? Ela não tem nem curvas no corpo! Como você foi ficar com ela, Marcus? – Explodiu a oxigenada falando tão rápido que parecia que iria chorar feito uma criança.

-O que você tá falando? Eu é que não tô entendendo nada! Nerd? Tímida? A Kety é talentosa, popular e engraçadinha, sem falar no tanto de sertanejos que ela já beijou.

Letícia arregalou os olhos com a cara vermelha de nervosa. Estava tão desnorteada que aposto que é a primeira festa sertaneja dela. Tanto é que ela deve ter ido a uns 2000 bailes funks e uns 100 shows de pagode e nunca ter estado assim.

-Como? Eu estudei com ela desde o 1°ano do Ensino Médio e conheço-a bem! – (Que tempão, em? Letícia!).

Meus amigos não acreditavam. Estavam se olhando sem ao menos dizer uma palavra. Sorte que dessa vez estou espiando por um muro um pouco mais baixo do que eu. Afinal, era raiva ou inveja o que a Letícia estava sentindo?

-Ela é super estranha! Não faz trabalho com ninguém, fala inescutávelmente baixo, é uma péssima goleira, uma tremenda idiota!

-Idiota é você! Loira e burra por opção! – Exclamou Rosetta – Você tá é com inveja dela!

-Uí! Eu? Com inveja? Jamais!

-A Kety deve ter um lado desconhecido por nós. Só isso. Chega! Agora parou. – Falou Alisson.

-Essa bunda é só silicone ou é por causa do vestido? – Falou Rodrigo.

Consegui rir por um momento, mas o sorriso logo faliu. Letícia respondeu aos gritos, contudo eu não entendi porque agora estava prestando atenção na conversa das minhas amigas.

-Deve ser tudo invenção dessa menina. A Kety até disse que ela era a pior pessoa do mundo quando eles estavam chegando e acrescentou o Marcus junto. Ainda bem que ele está bem por sinal. – Falou Ana Paula.

-É. E por falar nela, como é que deve estar a minha ruivinha? – Respondeu Rosetta.

Fui. Não adiantava mais ficar ouvindo. A Letícia é estraga prazeres. Me dirigi até o camarim ensaiar.

Chegando lá encontrei o pessoal todo da produção já trabalhando; andando pra lá e pra cá. Olhei o relógio e vi que faltavam 16 minutos para o show começar. Tomara que o Marcus... Não! Deixa ele Pra lá. Não tenho tempo para ficar se preocupando com o que não é meu. Ou não é mais, quero dizer.

-Jorge, só pra vocês saberem, vou ensaiar. – Informei o guitarrista.

Ele levantou o polegar pra cima, deu um sorriso rápido e continuou o que estava fazendo. Entrei, fechei a porta e rodei a chave umas três vezes com o coração na boca. Encostei-me nela com os braços abertos respirando alto. Olhei para cima. Tenho que dançar conforme a música, pensei. Seja no show ou na minha vida. Não posso mais esperar. Fui. Soltei-me, comecei a dançar; dancei, dancei, colocando todo o meu sentimento na minha dança, tudo o que sentia, tudo o que tinha de explodir, tudo o que havia acumulado. Chegou a hora de botar pra fora. Dancei, dancei, fiz passos novos; passos que só via na TV, emendei passos novos com os velhos, fiz coisas que nunca imaginei fazer. Dancei como se não houvesse mais nada no mundo. Só eu e a dança. Acho que palavras não podem expressar isso e por isso você não vai poder imaginar essa sensação de liberdade incrível. Só sentindo mesmo.

Caramba! Como fui me distrair tanto? Estão batendo na porta e eu não notei. Abri-a. Era o Jorge avisando que era pra eu acompanhá-lo pro show pois só faltavam 5 minutos. Eita! O tempo voou. Juntemos-nos a todo o pessoal da banda. Meu coração estava a mil. A banda entrou primeiro. Anunciaram-nos. Eu fiquei esperando o sinal do baterista. Ouvi os primeiros solos. Solos longos. Quando a música ficou agitada pela presença do DJ ouvi o sinal e entrei. Meu coração fazia Tum-tum-tum bem rapidinho. Só ouvi os gritos da galera. Até gritavam "Kety, Kety, Kety!". Do alto do palco avistei meus pais mais loucos do que nunca. Minha mãe com a câmera na mão registrando tudo. Eu só olhei pra frente, dei um sorriso carregado de sentimentos. Foi o sorriso mais gostoso de toda minha vida. E... Dancei. Me encaixei no ritmo da música. Dancei, dancei, dancei. Assim como estava fazendo no camarim, porém, o sentimento agora era alegria e orgulho e não raiva e tristeza. Fiquei tão feliz quando ouvi a platéia gritando o meu nome. Deu-me até orgulho. É. Pelo menos pra alguma coisa eu presto. Empolgava-me na dança. Era só eu, a dança e mais ninguém. Foi quando eu olhei pro lado e vi Letícia boquiaberta no corredor de onde saí. Ela estava longe, mas olhar para ela quase me fez cair. Porém, improvisei. Eu estava arrasando e ela espantada. Isso era melhor que mostrar o dedo do meio. Marcus e Marcos logo entraram para o delírio da platéia. Eles me agradeceram e me abraçaram. Marcus foi para beijar minha boca, mas eu desviei fazendo com que beijasse minha bochecha. Pilantra! Dei tchau pra platéia que toda animada ficou. E vazei. Passei esbarrando na Letícia. Ouvi a dupla começar a cantar. Meus pais e amigos já estavam no camarim e quando cheguei me abraçaram, alguns com a mente não muito sã começaram a pular em cima de mim. Amigos...! Pronto. O pior já passou. A alegria era tão imensa que seria preciso outra história para descrever. Fiquemos juntos o show todo rindo, contando fofocas, dançando, comendo e bebendo, olhando gatinhos e mais gatinhos que circulavam pela festa. Lá fora o pessoal só comentava de mim. Minha fama havia aumentado. E quanto aos meus amigos, eles não ligavam de eu ser uma nerd, tímida e sem amigos na escola. Nem tocavam no assunto. Acho que era só fantasia da minha mente. Esses dois mundos eram apenas fruto da minha imaginação. Só me comporto diferente dependendo do lugar. Eu tenho que aprender a domar minha mente. E isso leva tempo. E como. Tenho uma amiga psicóloga que me contou que só conseguiu domar sua mente no prazo de cinco anos! E depois disso ela virou psicóloga, claro.

No fim da festa, Marcus veio me pedir para eu voltar pra ele. E eu disse que... Não! Marcus não era pra mim. Eu quero alguém que esteja à minha altura. Bem isso vai levar tempo. Mas paciência agora. Ah. E a Letícia? Bom, ela continuou a mesma na escola, mas naquela mesma noite eu sonhei que:

"Entrei no banheiro da escola e me deparo num canto com ela, toda despojada, cabelo castanho meio ondulado, sem as lentes azuis, sem maquiagem alguma, sem jóias, sem esmalte, nem perfume, toda despenteada, sem piercing, com um corsário preto e uma camiseta verde e laranja. E de rasteirinha. Chorando. Chorando por amor, dizia ela. E eu que ficava imaginando que era só eu na escola que sofria por sentimentos. Observei-a. Não era tão bonita sem maquiagem. Até mais feia que eu. A beleza dela saia com água e sabão. Ora quem diria. Olhei suas espinhas e imperfeições do rosto, olhei seus pneuzinhos na barriga aparecendo e quando ela percebeu isso, só ouvi ela berrar bem alto:

- Sai daqui, Kethlin! Vai embora! Pelo amor de Deus,deixe-me em paz.

Ambas as minhas VidasWhere stories live. Discover now