#Capítulo 2

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Anthony acordara bufando com o barulho de seu celular, era pouco mais de quatro da manhã e o aparelho tocava insistentemente. O rapaz encarou o número no visor e decidiu ignorá-lo naquele instante, mandando a ligação direto para a caixa de mensagens. Só uma pessoa egocêntrica ou muito desesperada faria o favor de ligar às quatro da manhã para alguém, e ele não conhecia ninguém em nenhuma das situações. Ao menos não se lembrava de conhecer e, todavia, a pessoa não ligara outra vez insistindo, deveria ser apenas um engano como sempre era aquela hora da madrugada. Anthony rolara de volta na cama e adormecera novamente em poucos instantes.

"Tony, sou eu, precisamos conversar. Amanhã às onze." Fora tudo o que dissera na mensagem que deixara para Anthony às quatro da manhã. Ele não pudera esperar até o dia amanhecer, precisava fazer alguma coisa imediatamente, antes que a coragem lhe faltasse e fosse substituída pela depressão que ameaçava surgir a qualquer momento.
Chris sabia que não era preciso dizer mais nada para que quem recebera o recado entendesse quem estava falando e onde deveriam se encontrar. Não se falavam muitas vezes, mas havia um único lugar em que os dois se encontravam nas raras vezes que se viam. E Christopher sabia que Anthony iria. Ele nunca deixava de ir.

Dois minutos para as onze da manhã. Christopher se encontrava sentado numa das mesas mais afastadas do Café Di Marie, era a mesma mesa que sempre utilizavam nos encontros esporádicos que tinham. Não queriam chamar a atenção de ninguém e aquele ponto era discreto o bastante para fornecer anonimato e deixá-los invisíveis aos olhos de qualquer curioso. Chris olhara para seu relógio de pulso - seu favorito - e logo depois encarou a entrada do Di Marie, sorrindo satisfeito. Se havia uma coisa que devia se orgulhar de Anthony era sua pontualidade.

Onze horas e lá estava Anthony se encaminhando para a mesa rotineira "deles". Com um acenar de cabeça ele puxou a cadeira logo a frente de Chris e se largou sobre a mesma, sem muita cerimônia.
Christopher encarou Anthony Peregrin e o que viu o deixou satisfeito. Tony tinha os cabelos castanhos quase louros um tanto compridos, a barba rala estava por fazer, o mesmo rosto angular que Christopher via todos os dias no espelho se refletiam a sua frente agora. Anthony era sua cópia perfeita. Haviam algumas pequenas diferenças que nem mesmo quem os conhecessem perfeitamente perceberiam se ambos não estivessem lado a lado para serem comparados. Anthony tinha o nariz um pouco mais protuberante do que Chris, resultado das várias brigas que tivera durante a época do colégio. E Christopher era um centímetro mais baixo do que Tony. Mas nada daquilo era perceptível. E perceber aquilo naquele instante fizera Christopher sentir-se aliviado.

- E então, o que tem para falar comigo? - O recém-chegado murmurou afundando-se ainda mais na cadeira enquanto passava as mãos pelo rosto, sua expressão era cansada.
- Como vai, irmão? - Christopher murmurou com um pequeno sorriso nos lábios.
- Sem enrolação, Marsen. Diz logo o que quer de mim. - Anthony resmungou com ar entediado.
- Me chama de Marsen como se você não fosse um também. - Chris sibilou com desdém.
- Sabe que deixei de ser um há anos. - Anthony resmunga revirando os olhos como se aquilo fosse óbvio. Após ter saído da casa dos pais, Ant adotara o sobrenome materno. - Dá pra ir direto ao ponto? Preciso estar em outro lugar daqui meia hora.

Christopher suspira ouvindo o irmão falar naquele tom grosseiro. Na infância costumavam ser o melhor amigo um do outro. Quando foi que isso havia se perdido? Ele não se lembrava.

- Por que acha que quero alguma coisa de você? - Questionou soando um pouco magoado.
- Chris... - Anthony começara a dizer, mas fora interrompido.
- Estou morrendo, Tony. - Christopher murmurou deixando um sorriso triste estampar seus lábios.

Um minuto inteiro de silêncio se passou. Anthony encarava seu irmão mais velho - por apenas alguns minutos de diferença - de forma perplexa, vasculhando a expressão de Chris em busca de algum sinal, qualquer coisa que indicasse que aquilo era apenas uma brincadeira. Doentia e de mau gosto, mas apenas uma brincadeira. Mas nada, nada no rosto triste e abatido do irmão parecia negar o que ele havia acabado de dizer.
- Você não pode estar falando sério... - Ant conseguiu murmurar por fim, ainda descrente.
Christopher apenas deslizou uma folha de papel dobrada que estava sobre a mesa, sob suas mãos, na direção do irmão mais novo. O resultado dos exames que fizera e que trouxera o maior pesadelo para sua vida no dia anterior.
- Mas o que...
- Câncer. No cérebro. - Chris adiantou-se em explicar.
- Mas você...
- Inoperável. - Adiantou-se mais uma vez.

Anthony voltara a ficar em silêncio, os olhos de repente distantes e vagos, encarando o nada. Então era isso, seu irmão que por anos não vira, agora estava morrendo...
- Tenho apenas alguns meses. - Chris decidira quebrar o silêncio incômodo. - O médico quer que eu faça rádio. Para tornar as coisas menos difíceis. - Disse a ultima parte com certo desprezo.
- Christopher, eu...
- É por isso que preciso de você. - O mais velho interrompera qualquer coisa que o irmão quisesse lhe dizer. - Preciso que você tome meu lugar. Preciso que se torne Christopher Marsen.

O silêncio que caiu sobre aquela mesa ao fundo do Café Di Marie fora desconcertante. Chris encarava o irmão com expressão séria, esperando alguma reação. Os olhos claros de Anthony pareceram ficar num tom escuro e nebuloso enquanto ele absorvia todas as informações que lhe foram jogadas de surpresa. E então ele soltou uma gargalhada breve e se endireitou em sua cadeira de madeira estofada.

- Você só pode estar brincando! - Exclamou em meio a risos que foram cessando a medida em que o rapaz percebia que o homem a sua frente não o acompanhava ou admitia que era apenas uma peça sendo pregada. - Está falando sério?
- Não posso deixar as empresas Marsen neste momento. E não posso deixar minha esposa desamparada. - Disse simplesmente, como se aqueles argumentos fossem o bastante para que qualquer loucura fosse cometida.
- Você enlouqueceu. - Tony concluiu preparando-se para se levantar.
- Eu amo Amelia, Anthony. - Chris sibilou fazendo o irmão parar onde estava para escutar. - Eu a amo tanto que não serei capaz de dizer a verdade e deixa-la infeliz para o resto da minha vida. Eu simplesmente não posso deixar que ela saiba das minhas condições e sofra por isso! - Ele quase gritara a ultima parte, chamando a atenção de alguns clientes do café a sua volta. - Por favor, Tony...

O mais novo dos Marsen voltou seu olhar duro e sério para o irmão a sua frente. Anthony se lembrava de Chris ser cheio de vida e entusiasmo, mas agora boa parte disso estava desaparecendo. O Christopher que estava naquele momento a sua frente estava cansado, desesperado... Derrotado.

- Nós não podemos fazer todos felizes a todo momento, Chris. Você devia saber disso... - Murmurou se levantando. - Boa sorte com tudo isso. - Disse por fim e encaminhou-se para a saída do Café.

Marsen [Degustação]Where stories live. Discover now