Abaixo do chão

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As palavras brilharam no visor do meu celular.

"Desculpe por ontem"

"Já passou"

"Vou falar com minha mãe"

E o que? É fácil dizer o que penso para todos os outros, mas como podia brigar com a mãe do Roy? Ela havia sido uma babaca, mas era a mãe dele. Como eu podia ficar no meio de uma família? Eu sempre amei meus pais acima de tudo, eles sempre estiveram lá pra mim. E sei que Roy também amava a mãe dele... Como eu podia me meter entre eles?

"Acho que as coisas nunca serão fáceis pra nós"

Respondi e guardei o celular. Não queria remoer mais as coisas, estava decidida a seguir o caminho mais fácil e me desvencilhar de Roy.

Eu só não esperava que iria sentir tanta falta dele.

- Pessoas são um saco. – Malu disse. Eu não sei exatamente porque havia ido até o CAPE, mas eu queria conversar com alguém.

Eu não acredito que vim pedir conselhos amorosos pra uma garota de treze anos.

- E o que é que eu vou fazer? Começar uma briga de família? Como eu posso ficar com ele e entrar na casa da mulher que me chamou de vagabunda de novo?

- Olha, eu sei que é horrível quando pessoas nos classificam sem nem nos conhecer, Kat, eu passei a vida toda por isso... - A menina parou de falar para tossir.

- Tudo bem? – perguntei.

- Sim, só estou resfriada. Olha, você tem qe colocar as coisas em uma balança, e decidir o que é melhor, ficar com Roy, o gatinho sensação das deficientes aqui do CAPE e ter que lidar com babacas tempo todo, ou escolher o caminho mais fácil e ficar sem ele. – Maluzinha deu de ombros e eu comecei a rir.

- Você faz a vida parecer tão fácil assim, não acredito que tem só treze anos!

- Porque é fácil! Nós caímos o tempo todo, mas sempre podemos nos levantar e ir mais alto. Como um prédio, sabe, começamos no chão e nos construímos para tocar o céu. Somos um arranha-céu! Agora, eu preciso ir pra aula de desenho, mas foi muito legal você vir me visitar.

- Obrigada, Maluzinha. Qualquer dia você pode ir visitar meu estúdio, acho que ia gostar.

- Sim! Eu ia adorar Kat.

***

Eu fui para o chão.

Eu e Roy não nos víamos pessoalmente desde o incidente na casa dele, quase um mês atrás. Se não fosse aquela terrível ligação, talvez tivéssemos nos perdidos para sempre. Mas, ao invés disso, outra pessoa havia se perdido.

Tomei coragem de atender o celular um pouco antes de cair na caixa postal.

- Roy?

- Eu sei que estamos dando um tempo. Mas e não sabia com quem mais poderia contar. – a voz dele, sempre pausada, estava intercalada com soluços agora.

- A Maluzinha morreu.

Eu me senti abaixo do chão.

Foi horrível ver o corpo da garota que queria tocar o céu ser enterrado. Maria Luz, a garota de treze anos que sonhava em ser desenhista, havia descoberto que o câncer que havia tirado suas duas pernas estava agora, perto do seu pulmão. Seus pais descobriram alguns dias depois de termos nos falado no CAPE, eu não sequer fiquei sabendo. Se ao menos tivesse voltado lá para cumprir a promessa de levar Malu para visitar meu estúdio... Como eu ia saber que duas semanas depois ela ia estar morta?

- É horrível ver alguém tão jovem ir embora. – Roy apareceu do me lado e eu posei a cabeça no seu ombro.

- Ela tinha tantas coisas pra fazer ainda. – Respondi sentindo sua mão acariciar meus cabelos.

- Obrigado por vir no enterro. Kat. Sei que você está brava comigo. Estou feliz de você estar aqui.

- Eu não estou brava com você, estava brava com a situação.– Respondi. – E eu devia isso pra Maluzinha também, não pude conhecer a garota melhor e agora me arrependo tanto.

- Nunca sabemos quanto tempo ainda temos.

- Não.

Eu nunca fui uma pessoa fácil de lidar, nunca fui boa com relacionamentos, quando meu pai morreu passei a maior parte do tempo trancada no meu quarto chorando sozinha, odiava demostrar emoções na frente das pessoas. Eu gostava de ser forte, independente, gostava de passar a imagem de auto-suficiente. Chorar na frente de todos, abraçada a Roy, foi a coisa mais corajosa que havia feito em anos.

Não podia adiar as coisas, não podia perder tempo, não podia continuar seguindo o caminho mais fácil. Não podia perder o homem por quem eu estava apaixonada por medo dos outros.

Meu Deus.

O homem por quem eu estava apaixonada.


Arranha-céuWhere stories live. Discover now