"Se ao menos mentissem ao meu lado"

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Este podia ser a coda e o fade out para Desmond, se uma mulata de olhos rasgados e peitos inflados não cruzasse seu caminho, mais precisamente na esquina do Ostracismo com a Rua da Amargura. Ele perdera a noite secando copos de bourbon e Ela ganhara a noite no "corpo-a-corpo" com os últimos clientes errantes do Sunset Boulevard. 

Dalilah Petite queria crescer e aparecer e queria fazê-lo usando outro recurso que não os combalidos curriculum que sufocavam sob o decote e que não a garantiriam por muito mais, considerando-se que ela atingia em 1952 a a idade de 36 anos (uma década a mais que Desmond). Ela estava precisada de alguém "de dentro" que lhe arranjasse uma chance como cantora. Desmond havia queimado todas suas pontes com Lennie Tristano, tinha alergia ao pessoal do "free jazz" e cultivava ojeriza à patota tatibitate do Bebop. Positivamente não era alguém "de dentro". Mas ele desesperava de inveja, estava seco por reconhecimento e aquela mulher de nome bíblico e seu magnífico par de boobs bem poderiam ser os instrumento de sua vingança.

O pacto foi celebrado numa biboca cajun com uísque duvidoso, mas Desmond cumpriu com rigor e brilho sua parte: já na madrugada seguinte à primeira noite de amor ele trouxe à luz a canção "Lie to me Leena".

Não se sabe se a inspiração veio de Delilah ou o resultado de da inédita descontração pós-coito (Desmond já foi descrito como o trompetista que mais precisava "get laid" na história). O fato é que "Lie to me Leena" era uma música arrebatadora. A melodia em síncopes fugidios, o ostinato metódico no contracanto, a harmonia furiosa. E, principalmente, a letra. A estranha, ousada e catártica letra. 

Mas afinal, o que queria dizer a letra de "Lie to me Leena"? A interpretação variava de acordo com o freguês. Quem ouvir, por exemplo, a gravação edulcorada das Velvelettes (1965), entenderá que a Leena mentia (lie) para o protagonista, e que ela era má (mean) para ele. No outro extremo, a gravação de Donna Summers (1982) solapava qualquer eufemismo: claramente Leena deitava-se (lie) para ele (um gigolô) e era essa sua obrigação (mean to be). 

Quem quiser saber o que Mo' queria dizer com a letra deve dirigir-se com fé e um copo virgem ao Woodlawn Memorial Cemetery, em Santa Monica, onde o músico jaz sob uma lápide pouco pranteada. Até lá Leena continuará a mentir e deitar-se nas vitrolas e elevadores. 

A gravação original de Dalilah Petite and the Sansoom Locks (um quarteto efêmero amealhado às pressas por Desmond entre os postulantes mal sucedidos da "Tristano school") fazia mais ruído que música, mas a cadência saltitante e os arabescos soprados por Desmond impressionaram as rádios certas e, pelos misteriosos caminhos percorridos pelas músicas de sucesso, logo Desmond assinaria um contrato com uma editora major e o trompetista já sentia os dedos róseos da fama fazendo cafuné em sua carapinha. 

O próximo degrau da glória seria  ser gravado por gente que Mo' respeitava. Seus "pares". Sonhava Mo' em antecipação: O que Nat King Cole não poderia fazer sobre seus acordes tão engenhosamente tramados? E a banda de Duke Ellington? — meu deus, a orquestra de Stan Kenton! — o que não fariam sobre suas amadas frases musicais a cornucópia big-band de trombones, saxofones, vibrafones, trompas, pratos, clarinetas, flugelhorns, agogôs e o escambau...?!

Fué... fué... Um glissando de trombone do destino soaria a decepção para Mo' Desmond. Sua música seria tocada e conhecida por todos... exceto por aqueles que importavam. 

Mo'Wo Geschichten leben. Entdecke jetzt