Capítulo 2

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O mestiço, que Bernardo descobriu chamar-se Cristiano, era filho ilegítimo de um senhor de terras da região. O pai o havia colocado à serviço do príncipe regente com algum cargo público, auxiliando o juíz responsável por alocar residências aos recém-chegados ao Rio de Janeiro. Pelo que Cristiano explicara, o pai queria que ele tornasse-se deputado e, para isso, acreditava ser ideal que o jovem frequentasse a corte e conhecesse Dom João pessoalmente.

Cristiano levou-o até uma casa de um único andar não muito longe do Paço Real. Ficava em uma rua transversal à Rua Direita, a principal do centro do Rio de Janeiro, num ponto cheio de sobrados, sob a sombra de um morro encimado por um edifício branco muito grande.

- É o Hospital Militar, - explicou Cristiano acompanhando a vista do forasteiro. - Era o Colégio Jesuíta até, você sabe, o Marquês de Pombal expulsá-los do reino.

Naquele ponto podia ver também uma fortaleza militar voltada à entrada da baía. Vinham de lá alguns dos tiros que ouvira mais cedo.

- Dizem que deixaram toneladas de ouros e joias para trás.

- O quê?

- Os jesuítas, - disse Cristiano, apontando para o antigo colégio. - O vice-rei na época disse não ter encontrado nada das riquezas da Companhia Jesuíta no colégio. Certamente esconderam-o em túneis debaixo da cidade.

- Ou talvez o vice-rei tenha pêgo tudo para si e mentido à respeito.

Cristiano não teve resposta. Ainda assim pareceu mais interessado em sua versão emocionante da história.

O lugar parecia um lugar tranquilo. Era de certo menos movimentado do que as ruas mais próximas ao porto. Parou para examinar a casa sem muita empolgação.

- Pertencia a um comerciante local, dono de um mercado de tecidos na Rua do Piolho.

Bernardo concordou com a cabeça sem dar muita atenção ao que dizia o mestiço. Falou algo mais sobre o tipo de coisas que o antigo proprietário vendia antes de começar a fazer fofoca sobre sua clientela e sua esposa, filha de índios. Bernardo tentou ignorá-lo enquanto examinava a casa.

Havia uma única janela, pouco distante da estreita porta de entrada. A janela, agora aberta, tinha os vestígios de barras de madeira serradas próximo ao parapeito. Não havia vidro, que parecia raro na colônia. Assim como com o edifício onde Dom João recebia seus súditos, havia indícios de que as paredes da casa foram recentemente cobertas por uma espessa camada de cau.

Bernardo subiu os três degraus de pedra até a porta, parando ao perceber algo escrito na porta. Raspou o dedo nos traços de giz branco recentes sobre a pintura verde ressecada da porta.

- O que significa? - perguntou Bernardo, apontando para as letras PR pintadas na porta.

- Propriedade Real, - respondeu prontamente. - É pintada nas portas das casas requisitadas pelo Príncipe para abrigar membros da corte.

Bernardo franziu a testa, então balançou a cabeça e entrou. Queria urgentemente ter um teto sobre sua cabeça, protegendo-o do sol tropical.

A sala era pouco maior que um quarto grande. Não havia móveis se não esteiras rústicas espalhadas pelo chão, fazendo o papel de assentos. Uma única cadeira, de madeira pesada, estava na ponta extrema de uma tábua de madeira deitada sobre dois cavaletes. Bernardo concluiu com pesar que devia tratar-se da mesa de jantar.

- Seus pertences estão no quarto, há direita.

Da sala saíam mais duas portas. Bernardo olhou para Cristiano, que permanecia de pé diante da saída. Receoso, acabou por aproximar-se da porta do quarto. Seu baú fazia companhia a uma rede de tecido colorido, pendurada entre as paredes do quarto. Não havia cama ou guarda-roupas. Bernardo olhou por sobre o ombro para Cristiano, que sorria largamente, como se orgulhoso de um trabalho bem feito. Já Bernardo não podia deixar de imaginar que passara seis semanas dormindo numa rede para chegar ao Rio de Janeiro apenas para dormir em outra. Começou a pensar o quão confortável podiam ser as esteiras da sala.

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⏰ Last updated: Feb 15, 2016 ⏰

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