Dona de Casa (Alheia)

178 11 1
                                    


"Alessandra, você já é mamãe???!!!" Marisa perguntou, sem economizar nas exclamações e interrogações, abaixo da foto que Alessandra postara no Facebook, em que segurava um bebê de mais ou menos um ano.

A aparição da antiga amiga surpreendeu Alessandra. Há mais de dois anos ela e Marisa não mantinham qualquer contato. Redigiu uma resposta em que explicava que estava estudando nos Estados Unidos, num programa de au pair, e que aquele era o menininho de quem tomava conta, não seu filho. Mas, ao concluir a mensagem, se deteve. Não a enviou. Levantou-se, foi até a cozinha, bebeu um copo d'água. Estava sozinha em casa. Os pais de Gus, o bebê, haviam saído e levado o filho consigo. Demorariam a voltar. Uma tentação incontrolável a possuiu. Sentou-se novamente diante do computador, apagou a primeira resposta e enviou esta no lugar:

"Oi, Marisa! Nossa, há quanto tempo! Sim, estou casada e tenho um filho. Vim para os Estados Unidos para uma breve temporada de estudos, mas aí conheci o Steve, fui ficando... Hoje temos o Gus!"

"Você está nos Estados Unidos? E casada com um americano? Não fazia a menor ideia! Precisamos conversar! Colocar as novidades em dia!"

E agora? Dizia à amiga que era tudo brincadeira? Ainda era tempo. Em vez de responder a Marisa de pronto, foi dar uma volta no quarteirão. Parou numa lanchonete, pediu uma Coca-Cola e sentou-se numa mesinha. Tinha vinte e dois anos. Tentara o vestibular no Brasil quatro vezes, sem sucesso. O clima em casa estava cada vez pior: sua mãe se recusando a pagar outro ano de cursinho "para nada", e Alessandra, por sua vez, exausta dos estudos infrutíferos. Sem perspectivas em Recife, fugir para os Estados Unidos pareceu uma boa alternativa para conseguir dar um tempo da mãe, dos estudos, da vida. Inscrevera-se num programa de au pair e partira há cinco meses.

Marisa era uma das colegas do ensino médio. Como a maioria deles, já entrara na faculdade e seguia sua vida, enquanto Alessandra permanecia estagnada no limbo pré-vestibular. De início, mantivera contato com os mais chegados, mas à medida que seu constrangimento e frustração aumentavam, fugia cada vez mais deles. Não foi difícil desligar-se. Eles agora tinham novos colegas e interesses, e ela foi se tornando cada vez mais despercebida, mais esquecida. Antes isso a ser lembrada e citada como a que simplesmente não conseguia avançar.

O contato de Marisa, que tanto a intrigou, foi motivado pelos cinco anos de conclusão do ensino médio. A turma iria se reunir, e Marisa procurou Alessandra no Facebook para avisá-la. Ela podia bem imaginar o encontro, cada um contando sua história de sucesso. Um casamento e um filho também eram um modo de seguir em frente. E uma excelente desculpa para estar fora da faculdade. Marido americano, greencard, soava até como uma história invejável. Começou a fantasiar os detalhes, a querer essa vida para si. Imaginava-se Mrs. Chapman, manuseando os eletrodomésticos mais modernos que jamais vira, mãe daquele menino louro e rosado. Pagou a conta e deixou a lanchonete tão confusa e indecisa quanto entrara.

Voltou para a casa ainda vazia. Ao abrir a porta, seu olhar foi magneticamente atraído para o aparador no hall de entrada, onde uma foto que lhe fora até então indiferente agora parecia reluzir: Mr. Chapman com o filho nos braços. Contando com que a família não fosse voltar na próxima meia hora, tirou a foto da moldura, correu até o scanner, digitalizou-a, salvou a figura em seu laptop e devolveu, enfim, a foto ao seu lugar. Não se haviam passado cinco minutos da operação quando ouviu a chave girar na fechadura. Após os hellos e sorrisos de praxe, Mrs. Chapman entregou-lhe o bebê. Já estava tarde, então Alessandra teria que brincar com ele por pouco tempo, dar-lhe um banho e logo já seria hora de devolvê-lo à mãe.

Levou o menino para o quarto, escolheram um livrinho e ela iniciou a leitura. Enquanto Gus encarava uma das ilustrações, concentrado, ela cheirava os cachinhos louros do menino, sentia aquela pele rosada e tenra e imaginava como seria ser mãe daquele garotinho.

A vendedora de calcinhas usadas e outros profissionaisWhere stories live. Discover now