Epílogo

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Seis anos depois

Sentada numa poltrona junto à janela, Marta fechou o livro que lia (uma edição caindo aos pedaços de David Copperfield, herança da avó), depositando-o na mesinha lateral. Com um suspiro, ficou a observar as grossas gotas de chuva escorrerem pelo vidro. Por sorte, não precisaria sair de casa naquela tarde. A bem dizer, precisar, precisar mesmo, ela não precisava nem naquela nem em nenhuma outra, já que não tinha emprego. Concluíra a licenciatura em História há uns bons quatro anos, mas, como previra, nunca lecionou.

Encarou seu ventre já enorme de uma gestação avançada. Ali dentro, num mundo aquático, Amanda vivia sua existência mais sensível que tangível. Mauro é que havia escolhido o nome da filha. O combinado fora que Marta escolhesse um nome de menino, e Mauro, um de menina. E eis que menina ela era.

Alisou a barriga, e o gesto transportou-a para seis anos atrás, quando, de volta de uma festa, jogada no sofá-cama da antiga quitinete, executara aquele mesmo movimento, não do modo relaxado e despreocupado de agora, mas de forma obsessiva, involuntária como um rictus sinistro, empurrando o que quer que estivesse crescendo ali em direção ao caminho de saída. A esperança se transformara em pavor no milissegundo em que se virou e flagrou o beijo do namorado em outra mulher. Pois desejara uma gravidez, buscara por ela, achando que um filho de Delano lhe garantiria uma identidade e um lugar. De repente, porém, o lugar aonde o filho a levaria era hostil, e já não queria que ele estivesse ali — como, aliás, não estava, descobriu dias depois, com imenso alívio.

A perda de Delano doeu. Mas doeu mais a perda do passaporte para a vida idílica que imaginara ao lado dele, tão melhor que aquela que levava. Os clientes, a universidade, os colegas pareciam-lhe ainda mais sem sentido que de costume. Caminhos para lugar nenhum. Encastelou-se em casa. Abandonou as aulas, parou de responder às mensagens dos clientes. Sabia que isso a faria perder alguns deles para a concorrência, mas não conseguia arrumar ânimo para atendê-los. Mauro, no entanto, não se dava por vencido. Em um daqueles dias, chegou a enviar cinco mensagens em meia hora. Derrotada pelo cansaço, Marta começou a digitar. Pediria claramente que ele parasse de incomodá-la.

"Mauro, eu não atenderei nos próximos dias. Estou doente. Preciso de repouso. Vou silenciar meu celular, ok? Quando melhorar, eu volto."

"Doente? Doente de quê? Me diz onde você mora, que eu te levo uma canja quentinha e faço massagem nos seus pés! Queria te ver! Por favor!"

"Agradeço a gentileza, mas você sabe que não dou meu endereço aos clientes, meu anjo. E, esteja certo, minha casa não fica nada perto da sua. Não se dê a tanto trabalho por mim!"

"E você sabe que eu iria mesmo assim. Nem que fosse só para ouvi-la me chamar de meu anjo pessoalmente!"

Marta não deu mais resposta. Empurrou o celular para o lado e escondeu o rosto numa almofada, abafando o choro, uma vontade insidiosa de ceder. Afinal, não ceder por quê? Por razões éticas? Se ambos eram adultos, e estavam de acordo... haveria algum mal? Por segurança? Não naquele caso em particular. Mauro era seu cliente há bastante tempo, e, ainda por cima, do tipo falastrão. Portanto, ela sabia da vida dele em detalhes, estava longe de ser um desconhecido.

Acabou baixando a guarda e passaram a se encontrar não como vendedora e cliente, embora fosse exagero dizer que eram um casal. Mas ela finalmente revelou seu endereço e seu verdadeiro nome, e ele começou a buscá-la na porta para um cinema, um jantar, até para correrem juntos. Conversavam sobre outros assuntos que não modelos de lingerie ou a infelicidade conjugal dele, e Marta descobriu que Mauro era muito engraçado. Ele também lhe dizia que a intimidade recente o fizera notar como ela era inteligente e espirituosa, elogios que vinham a calhar naquele momento de carência.

A vendedora de calcinhas usadas e outros profissionaisWhere stories live. Discover now