C I N C O

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     A chuva havia voltado a cair sobre Londres, trazendo raios fortes o suficiente para transbordar pelo portão de entrada do pátio do estacionamento e causar sombras nas atividades dos detetives dentro dele.

     Harry White estava parado próximo ao tão procurado Porshe, acendendo o último cigarro do segundo maço do dia. Haviam-se passado longas horas desde que o corpo fora encontrado e a perícia acionada para a montagem do parâmetro da cena do crime. Desde então, Enzo havia dado diversos sermões sobre como não se deveria roubar evidências tão importantes quanto aquela chave. White ignorara todas. Se não tivesse roubado aquela chave, nunca teriam encontrado o carro. Era um mal necessário.

     — O senhor não pode fumar aqui, senhor White.

     O detetive olhou para o garoto de cabelos castanhos que se aproximou dele. Sentiu-se entediado apenas por saber que ele era da perícia. Descobrira recentemente que, de um modo geral, todo mundo que fazia parte daquele grupo era um tanto chato. Suspeitava até que fosse um requisito para a profissão.

     — Apagar o cigarro vai fazer você encontrar vestígios do assassino mais rápido? — White perguntou, como uma criança de cinco anos fazendo birra.

     Harry não aguentava mais o barulho das pessoas conversando e das fotos sendo tiradas. Os flashes eram piores que os raios do lado de fora. E quando falavam diretamente com ele, como aquele menino fazia naquele momento, tudo ficava mais irritante ainda.

     — Não — o rapaz pareceu confuso. — Mas...

     Antes que o jovem pudesse completar a frase, Harry já havia desistido de discutir. Com aquela prancheta tão rente ao corpo era óbvio que ele era o tipo bajulador-do-chefe, o Certinho, como Steve, e não desistiria. 

     White apagou o cigarro aceso na parte marrom da prancheta dele, usando-o de cinzeiro ao deixar o filtro pela metade sobre a superfície lisa, e resmungou:

     — Você nem é policial. Quando cientistas começaram a ser considerados policiais? 

     — Você fala como se também fosse um policial de verdade, detetive.— debochou.

     Enzo West se aproximou dos dois, evitando, mesmo sem saber, uma discussão entre o detetive e o menino mais jovem que ele já odiava. Harry deixaria que aquele afronta passasse em branco apenas porque sabia que o chefe já estava à beira do surto com a história do roubo das chaves.

     White não queria irritá-lo mais.

     O que não significava que ele já não esivesse irritado.

     — Terminamos de catalogar as evidências do carro e logo levaremos todas as provas ao escritório— disse o chefe—Quer dar uma olhada antes disso acontecer? Não que você já não tenha feito isso sem a minha supervisão.

    White ignorou a indireta.

     — Angelina já chegou?

     — Há umas duas horas. Onde você estava que não a viu?

    Harry deu de ombros. Não havia saído do estacionamento desde que encontraram o carro, mas deixara de prestar atenção nas pessoas e nos rostos no momento em que o local começou a encher. Sua cabeça costumava confundir a quantidade de semelhanças entre elas, como se todos não passassem de um padrão desenhando o estacionamento, e ele preferia deixar a atenção livre para outras coisas— como o carro da segunda vítima do caso. Ele sim era importante.

    Quando o detetive chegou perto do Porshe, Steven estava lá, pronto para atualizá-lo das informações sobre o veículo:

     — Já tiraram o corpo do porta-malas e a família foi avisada. — disse ele. — O carro é todo seu, mas aconselho que não abra o porta-malas. O cheiro é insuportável e não há nada lá que a perícia não tenha tirado fotos.

     Harry concordou com a cabeça e se aproximou do carro. Só então viu Angelina, que estava ignorando os avisos de Steven, com a atenção presa no interior do porta-malas. Seus olhos claros moviam-se com calma, conhecidos por serem quase como os de uma águia, e Harry soube que não precisaria inspecionar nada ali também uma vez que aqueles olhos não deixavam nada passar despercebido.

     White então se direcionou à parte da frente do carro e sentou no banco do motorista. Inspecionou cada detalhe do painel, do volante, do espelho retrovisor e de tudo o que era possível ser notado; então percebeu o banco acolchoado, o porta-luvas repleto de CDs e papéis e o som com marcas de dedo nos botões.

— Teve muito vento na chuva de ontem à noite? — Harry perguntou para Steven, que esperava o homem terminar sua inspeção, pacientemente, do lado de fora.

— Acho que não — respondeu. — Por quê?

— Porque há folhas e areia no para-brisa.

Steven voltou a atenção para o vidro, notando as marcas arrastadas de água e terra seca. Ele chamou um fotógrafo com os dedos e pediu para que ele tirasse uma foto, caso pudesse ser importante.

— Isso é curioso — comentou Harry.

— O quê?

     — Esse carro... — mordeu o lábio inferior. — Há algo de errado nele.

     Harry, ainda dentro do carro, tinha agora a atenção presa no pequeno som de cor escura. Ele passou os dedos pelos botões até achar o que ligava o aparelho, não se assustando como todos os outros se assustaram quando a música alta começou a tocar.

     Angelina, que ainda estava olhando o porta-malas onde, para o seu azar, a caixa de som fora instalada, levou o maior dos sustos ao dar dois passos para trás. Harry fez uma careta em solidariedade para com a parceira. A música que tocava era algum tipo de punk rock moderno, com gritos e guitarras exageradas, mas Harry não desligou. Deixou que ecoasse por todo o estacionamento, fazendo Enzo West, que conversava com alguém da perícia do outro lado do pátio, olhar em sua direção e suspirar cansado.

     Dave apareceu no banco do passageiro e desligou o rádio com certa afobação. O ambiente ficou estranhamente silencioso com a repentina paz e, lentamente, todos voltaram aos seus trabalhos, murmurando ofensas a Harry.

     — Descobriu alguma coisa? — perguntou David, como se quisesse achar uma justificativa para o ato.

     — Bem, esse carro era mesmo de Jared? — Harry ignorou o desespero quase divertido do outro homem. — O banco está ajustado muito para trás, a música não combina e o espelho está torto.

     — O quê?

     Harry suspirou. Odiava o fato de que sempre tinha que explicar alguma coisa a alguém. Chegou a desejar que todos ali fossem como Angelina e usassem o cérebro de vez em quando.

     — Jared devia ter, o que... 1,65m de altura? Ele nem ao menos alcançaria o pedal com o banco tão afastado. Quem dirigiu esse carro pela última vez era bem mais alto. A rádio sintonizada é uma que só toca música punk, enquanto no porta-luvas só há CDs de Rock Clássico. E o espelho, bem... É óbvio que Jared amava esse carro. Os bancos todos tem capas e o volante nem ao menos está desgastado. Ele ajustaria o espelho para evitar um acidente.

     Dave continuou o encarando com aquela expressão confusa e orgulhosa de alguém que não entendeu uma única palavra, mas se negava a admitir. Harry suspirou e saiu do carro, apoiando os braços no teto do veículo e olhando David, que, também depois de sair do carro, encarou-o do outro lado.

     — Quem quer que tenha dirigido esse carro pela ultima vez, não era nem Sofia, nem Jared — explicou.

     — Então quem era? — Dave perguntou.

     — É o que precisamos descobrir. 

... 

CONTINUA

Quem Matou Sofia? (DEGUSTAÇÃO)Hikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin