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"We're all bored, we're all so tired of everything

We wait for trains that just aren't coming"

Eu sempre fui uma pessoa atrasada, literalmente. Estou sempre dez minutos atrasada para tudo. Demorei dez minutos para chorar depois que nasci, cheguei dez minutos atrasada para prestar o vestibular e perdi a porra da prova, cancelaram a minha primeira entrevista de emprego — pasmem — por chegar dez minutos atrasada e por aí vai.

Porém, hoje eu não poderia ser eu mesma. Hoje eu teria que chegar no horário. Por isso, coloquei o relógio para despertar dez minutos mais cedo. Tomei banho, comi, analisei milhões de vezes se minha roupa estava combinando com o sapato e respirei fundo antes de pegar a bolsa e sair pelas ruas lotadas de Los Angeles, preparada para enfrentar a manhã quente. Cheguei na estação de metrô e abri um sorriso largo ao olhar para o visor do celular e constatar que, pela primeira vez em toda a minha vida, eu estava adiantada. Dei um pulinho feliz, como uma criança que acaba de ganhar um pirulito, e toquei no nome de Eve, que estava em primeiro lugar nos favoritos.

— Bom dia, raio de sol! — Falei animada ao ouvir seu alô.

— Me dê um motivo simples e objetivo para sua animação matinal milagrosa. — Eu conseguia sentir seus olhos se revirando do outro lado da linha, mas não liguei. Eve nunca fora uma pessoa matinal e se recusava a ser feliz antes das oito da manhã.

— Hoje sua amiga mais maravilhosa de todas, no caso eu, vai fechar um contrato incrível com a a Black Brains e entrar para lista de melhores funcionárias ever no coração frio do chefinho.

— Cruzes! Você está falando daquela banda de heavy metal horrível onde todos os integrantes parecem ratos atropelados?

— Eve, falando assim você faz parecer que estou indo para um ritual satânico. Mas sim, eles mesmos. Rick está tentando esse contrato há tempos e mal posso acreditar que conseguimos essa reunião. Se tudo der certo, seremos a primeira produtora americana a realizar um documentário sobre a banda. Não é demais? — Eu estava realmente empolgada. Ganharia uma comissão monstruosa em cima daquele contrato e de quebra ainda ganharia a gratidão de Rick — que, convenhamos, era o chefe mais rabugento de todo o planeta. Ou quem sabe até mesmo uma promoção? Balancei a cabeça, expectativa demais nunca era boa coisa.

— Iupi — ela resmungou. — Espero que você chegue no horário. Agora tenho que desligar, a bruaca da Sally já me gritou três vezes como se eu fosse surda. Me lembre de pedir demissão quando ganharmos na loteria, por favor.

Eu ri e guardei o telefone de volta na bolsa após me despedir de Eve. Estranhei o fato de já estar na estação há cinco minutos e nenhum metrô ter passado. O aglomerado de pessoas com expressão insatisfeita na plataforma me dizia que algo estava errado. Dei de ombros. Nada poderia dar erra...

— Atenção! Devido a problemas com a nossa central de controle, estamos com a circulação de metrôs reduzida. Solicitamos a compreensão de todos os passageiros.

A voz estridente e entediante de alguma funcionária da companhia soou nos alto falantes e eu quis muito, muito, muito estar morta.

— Não, não, não! Não pode ser! Hoje não! — Subi furiosamente de volta os degraus da estação e tentei me locomover depressa pela calçada abarrotada de gente. Eu precisava de um táxi e precisava agora.

— Com licen... com licença, moço, com licença... EI, OLHA POR ONDE ANDA, IMBECIL — era meu discurso repetido enquanto ia em direção contrária às pessoas. Parei em um ponto menos movimentado da calçada e comecei a acenar freneticamente para todos os carros amarelos que eu avistava, até que um único motorista resolveu parar para mim e eu senti vontade de abraçá-lo, tamanha minha gratidão.

Dei as coordenadas enquanto discava o número de Rick incessantemente e tentava contatá-lo sem sucesso. Bati o olho no relógio e quase chorei. Já passavam das oito e dez.

— Isso não pode estar acontecendo comigo — sussurrei para mim mesma enquanto fechava os olhos e tentava me acalmar. Tudo daria certo. O destino não seria tão cruel, seria?

***

— ESTOU EXAUSTO DAS SUAS TRAPALHADAS E DOS SEUS ATRASOS, ANNA! — Rick estava furioso. Por conta do trânsito eu havia chegado não dez, mas quarenta minutos atrasada e, consequentemente, tinha estragado tudo. A representante da Black Brains disse que não tínhamos profissionalismo o suficiente para lidar com o marketing deles e foi embora, alegando que devia nos cobrar pelo tempo que perdeu. — Para mim chega, limpe sua mesa e passe aqui amanhã pela manhã para assinar sua demissão.

— Mas, Rick, eu...

— Não existe "mas". Não quero ouvir mais nenhuma palavra. Estamos conversados. — Bateu a porta e saiu, me deixando sozinha com a minha própria raiva.

Uma hora e meia depois, entrei em meu apartamento minúsculo segurando desengonçadamente uma caixa de papelão que continha meus dois porta retratos favoritos, uma papelada imensa, meu porta-canetas, minha bolsa e uma série de outras coisas que naquele momento já não eram mais interessantes. Fechei a porta atrás de mim e joguei os sapatos de salto em qualquer canto, sentindo meus pés agradecerem silenciosamente ao obterem contato com o piso frio. Coloquei a caixa em cima da mesinha de centro e me joguei no sofá, fechando os olhos e apoiando um braço em cima do rosto.

Eu sempre havia sido uma fodida. Esse lance de sorte no amor, azar no jogo e vice-versa, no meu caso, era apenas uma idiotice. Eu não tinha sorte em nenhum jogo e muito menos no amor. Mas, apesar de tudo, sempre havia lidado muito bem com isso, obrigada. Até o dia de hoje.

Sentei-me novamente e busquei meu celular dentro da bolsa, dando um suspiro cansado ao ver que havia mais de cinco ligações perdidas de Eve. Retornei uma delas, enquanto massageava a têmpora direita e afastei o telefone do ouvido ao ouvir seus gritos.

— VOCÊ ESTÁ LOUCA DE NÃO ME ATENDER, QUERIDA? EU JÁ ESTAVA INDO AO NECROTÉRIO ACHANDO QUE VOCÊ MORREU!

— Por favor, não grite. A partir de hoje sou oficialmente pobre, encalhada e desempregada. Não quero adicionar surda nessa lista.

— Ai meu Deus, não acredito que era realmente sério o papo da demissão! O Rick é realmente um filho da puta.

— Eve, todo humano que possui um pênis entre as pernas para você é considerado um filho da puta — tentei dizer de forma engraçada, mas soei verdadeira. Eve era uma mulher corpulenta de um metro e setenta e dois de altura, tinha a pele escura e os olhos cor de mel. Seus cachos eram grandes e muito bem moldados sobre seus ombros e ela sempre estava com a fileira de dentes branquíssimos expostos, pronta para matar qualquer homem do coração. O único problema é que ela gostaria de matá-los com uma arma de verdade. Extremista como ninguém, Eve tinha certeza que a raça masculina havia sido um erro de Deus e que ela deveria ser a pessoa a consertar esse equívoco divino, exterminando todos. O que ela tentava esconder a todo custo, era que todo esse ódio todo tinha um único nome: Caleb.

Caleb era o amor da vida de Eve desde que ela se conhecia por gente. Foram vizinhos desde a infância, depois colegas de classe, parceiros de balada e então, em um belo dia, ela resolveu perder a virgindade com ele. Namoraram por sete longos meses até que um dia ele simplesmente sumiu. Não retornava suas ligações, nem suas mensagens e muito menos apareceu para lhe dar satisfações. Duas semanas depois ele apareceu na casa dela e disse que precisava de um tempo. Tempo esse que já durava sete anos. Porém, como nem tudo são flores, Eve se tornou uma pessoa extremamente amargurada em relação ao amor. Não acreditava na felicidade nem na veracidade dos casamentos, muito menos dos namoros. Para ela tudo não passava de um jogo: use os homens e depois jogue-os fora. E ela o fazia muito bem, quebrando vários corações por aí enquanto tentava remendar o próprio.

— Sim, bem, estou apenas fazendo meu papel de melhor amiga e tentando te convencer que não há nem nunca haverá raça mais ingrata do que essa — ela concretizou, como se fosse óbvio e me cortou antes que eu pudesse responder. — Tome um banho e me espere pronta, vamos sair para beber mais tarde.

— Beber? Não estou no clima, Eve...

— E precisa de clima para beber? Me poupe, Annie. Vamos comemorar sua liberdade das garras daquele escroto. NÃO SE ATRASE! — Deixando seu recado bem claro, bateu o telefone na minha cara. Voltei a me jogar no sofá. Talvez fosse bom sair e beber um pouco, afinal, pior do que estava não podia ficar.

New RomanticsWhere stories live. Discover now