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"Honey, life is just a class room"

— Eu já vou! — A campainha tocava incessantemente e eu tentava enrolar o roupão no meu corpo para poder abrir a porta. — Droga, Eve, onde foi que você enfiou a sua chave?

Abri a porta com raiva enquanto minha amiga encarava as unhas da mão esquerda e com a outra segurava um jornal.

— Preciso fazer uma chave nova, perdi a que você me deu.

Ela entrou como se não tivesse feito um escândalo há poucos segundos atrás e se jogou no sofá.

— Querida, já faz quase uma semana que você foi demitida. Estou exausta de te ver dentro desse apartamento, acordando às duas da tarde, sem dar as caras na rua ou sentir a luz do sol nos seus cabelos que, se me permite dizer, precisam urgentemente de uma hidratação. — Taquei uma das minhas pantufas na cara dela assim que ouvi o fim da frase.

— Evite dizer esse tipo de verdade, por favor, estou sentimental demais.

Ela rolou os olhos.

— Felizmente para você, eu sou a melhor amiga do mundo e tenho a solução para todos os seus problemas. — Assim que terminou de falar, jogou o jornal que segurava para cima do meu colo. A manchete era grande e clara:

"Black Brains anuncia turnê surpresa e fecha contrato com a TX9 para divulgação de documentário inédito!"

— Solução para os meus problemas? Eve, isso é só a vida esfregando na minha cara a merda gigante e fedorenta que eu sou! — Joguei o jornal longe e cruzei os braços, emburrada.

— Acontece, querida, que a TX9 é a produtora na qual Henry trabalha em Nova York e é por isso que ele está aqui.

— O QUÊ? Eu não acredito que esse cretino roubou o contrato que era para ser meu!

— Na verdade, ele só vai cuidar da parte dos eventos da turnê aqui na Califórnia. Mas soube que está atrás de uma assistente... — ela sorriu, maliciosa.

— Eve, qual a chance de eu ser assistente do Henry? Ainda mais nessa situação humilhante de ter perdido meu emprego exatamente por causa dessa banda idiota.

— Meu amor, existe chance melhor que essa? Você estaria esfregando na cara do Rick o seu potencial enquanto ele vai ficar chupando o dedo. São só dois meses. É pegar ou largar — terminando de falar, Eve esticou o próprio telefone para mim. — Ligue para ele.

Pensei por um minuto. O que poderia dar errado? O não eu já tinha, só me restava tentar.

***

Eu estava cantando trechos repetidos de uma música qualquer da Celine Dion e olhando fixamente para cerveja — que provavelmente já estava quente — quando ele chegou com o mesmo sorriso largo da semana passada e de cinco anos atrás. Parou poucos passos à minha frente, de forma que pudesse desviar seu olhar entre o meu rosto e a cerveja várias vezes antes de falar:

— Pelo jeito eu sou a única pessoa na vida capaz de fazer você chegar no horário nos seus compromissos, hein? — Se esticou e estalou um beijo em minha bochecha antes que eu pudesse responder, sentando-se na cadeira vazia logo depois e levantando o braço para que o garçom trouxesse mais uma cerveja.

— E pelo jeito eu sou a única pessoa na vida capaz de enxergar esse seu ego inflado, hein? — Tentei brincar e me arrependi imediatamente depois, afinal, aquilo era mais ou menos uma entrevista de emprego.

Ele arqueou as sobrancelhas e riu, aquele som gostoso que faz a gente querer fechar os olhos e ouvir de novo e de novo.

O garçom rapidamente apareceu com a cerveja de Henry e ele deu um gole rápido.

— Então, Annie. O que eu perdi durante esses cinco anos longe de você? — O olhar dele me deixava um tanto quanto desconcertada, talvez por me lembrar da vergonha que tinha passado ao seu lado naquela noite fatídica ou talvez apenas por ser verde demais.

— Bom, você perdeu várias oportunidades de fazer piada com os vexames da minha vida. Sabe que não há pessoa mais azarada que eu. — Levantei o braço também pedindo outra cerveja e logo depois apoiei os dois braços na mesa e me inclinei um pouco para frente. — Você teria dado boas risadas.

Ele assentiu lentamente e tomou outro gole da bebida.

— Mas suponho que você queira saber das minhas experiências com o ramo artístico, certo? Trouxe alguns documentos e reports que já fiz para te mostrar e...

— Não. — Ele falou decidido e algo no seu tom me fez parar de mexer na bolsa instantaneamente. — Vamos apenas conversar. Não precisa ser sobre trabalho. Quero saber de verdade sobre você, quero que me conte o que sentir vontade. Pode ser?

Relaxei os ombros e sorri.

— Pode. — E então desatei a falar sobre mim, sobre Eve, sobre minhas conquistas, minhas trapalhadas, minhas tentativas falhas de me dar bem no amor e até algumas encenações ridículas sobre o mal humor de Rick. Ele ria e fazia comentários o tempo todo e logo comecei a fazer perguntas sobre suas experiências também. Ele falou sobre Nova York com a maior paixão que eu já havia sentido em palavras nos últimos tempos e seu olhar continha um brilho intenso a cada nova história. Ver sua expressão de felicidade por algum motivo aquecia meu coração e fazia com que eu desejasse que aquela conversa não acabasse nunca. Mas assim que o sol se pôs e a nossa mesa lotou de garrafinhas de cerveja, decidimos pedir a conta e caminhar.

Durante todo o caminho percebi como era fácil estar em sua companhia. E, pela primeira vez, senti uma pontinha de arrependimento no peito e uma voz irritante sussurrando em meu ouvido: e se tivesse dado certo?

Quase não vi o tempo passar, mas assim que avistei o portão do meu prédio, fiquei apreensiva.

— E então? — Ele perguntou arqueando as sobrancelhas.

— Oi? E então o quê? — Perguntei piscando algumas vezes e balançando a cabeça, tentando me livrar dos pensamentos que me distraíam.

— Perguntei se podemos começar amanhã.

Fiquei realmente surpresa.

— Amanhã? Mas você nem viu nada do meu trabalho e...

— Anna, você estava contratada desde o momento em que me ligou. Hoje foi só uma desculpa para eu poder passar um tempo com você. Gosto da sua companhia. — Ele piscou e beijou minha bochecha. — Te mando mensagem com o endereço e horário de amanhã, tudo bem? Boa noite e mande um beijo para Eve.

Assenti com a cabeça e sorri discretamente enquanto o observava caminhar com as duas mãos nos bolsos frontais da calça, a cabeça ereta e o vento bagunçando ainda mais os seus cabelos. 

New RomanticsWhere stories live. Discover now