03 • Ela me chama de sol

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A manhã de sábado não tinha sido tão chata como sábados costumam ser. Geralmente, isso acontece porque quando você está de férias, todo dia é sábado. Mas aquele fim-de-semana tinha sido muito bom. Perto das nove, pegamos um ferry boat para passar o dia na Ilha de Itaparica e dois primos haviam chegado na sexta-feira, eram duas crianças e eu adorava tomar conta deles porque era pérola atrás de pérola. Henrique e Eduardo era bem roceiros, sabe? Tabaréu da roça. Nunca tinham visto a praia e foi MUITO engraçado colocar os dois num barco por uma hora inteirinha. Claro que, depois que o medo passou, eles se perderam na praia e todo mundo quase morreu de preocupação.

Mas ninguém liga pra isso.

Henrique! — Gritei para o mais velho, olhando aquele cabelo queimado e a cara de menino amarelo — Você não pode ir até aí, se você passar essa parte aqui, olha... — apontei para às pedras mais à frente, agradecendo que elas podiam forjar uma história melhor do que a que eu tinha inventado internamente — Se passarmos às pedras, o Aquaman vai ficar com raiva da gente e vai espetar sua bunda com o tridente dele.

O que é um tridente?

Ok. Henrique, 1. Alexandria, 0.

— É tipo um garfo, só que enorme.

— Tá — O medo chegou até seus olhinhos de cachorro abandonado e ele deu um passo para trás — Mas quem é o Aquaman?

— Ele protege o mar. É bem forte, grandão, tem um cabelão bonito e umas tatuagens lindas. Mas ele é bem malvado, também. Não pode jogar lixo na água também, tem que jogar na lixeira, se não ele manda um tubarão comer seu pé.

E aí, Henrique começou a chorar.

Alexandria! — José, também conhecido como papai, me gritou quando viu Henrique chorando como se eu tivesse arrancado seu dente — O que você falou pro menino?

Tio! — Henrique abraçou sua perna, chorando desesperado — O Aquaman vai comer meu pé!

Foi assim que eu quase fiquei de castigo. Não era castigo, era quase como uma punição por ser perversa com as crianças... tudo bem, era castigo sim, mas eu tinha 21 anos na cara e não iria assumir que eu estava de castigo.

No domingo, altamente proibida de ficar com as crianças, acabei passando mal e ficando em casa quando todo mundo saiu. Fechei todas as cortinas e prendi um lençol na porta de entrada, pois era de vidro e eu queria ficar sem roupa em paz. Limpei toda a cozinha ao som de Pabllo Vittar, bem mais alto do que era permitido pelo regulamento do condomínio e logo depois tomei um banho, gastando a água de todo mundo e tendo meu momento de princesa.

Quando eles chegassem, eu colocava a culpa em algum vizinho e me fazia de doida.

Tinha comido miojo como almoço, deitado só com a calcinha do biquíni no chão gelado e agora, estava fazendo um feat muito desafinado e ruim com Ariana Grande ao dizer "thank u, next", repetidas vezes.

É isso que eu chamo de vida perfeita.

A parte de cima do biquini estava pendurada em meu pescoço, mas eu não tava com paciência pra esticar meus braços e amarrar alguma coisa, até porque, sejamos sinceros: ficar com os peitos pra fora é muito bom.

Até que bateram na porta.

Olhei para o relógio, faltavam 10min pras 15h. Provavelmente eles já tinham voltado de Guarajuba.

Só que, claro que eu tinha que fazer isso. Quem seria eu, Alexandria Burra Filha de Uma Maria Anta, se não metesse os pés pelas mãos e fizesse merda? Cometi um erro, um único erro! Não espiar pela cortina/coberta e abrir a porta de vez.

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