Parte I

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Ainda era Julho e eu já estava muito cansado. Para falar a verdade, desde que me entendo por gente, sempre estive muito cansado. Trabalho como freelancer, e por sorte consegui tirar uma semana de folga, então aproveitei para visitar Ouro Preto, um lugar que me fascina devido a sua bela arquitetura e rica história.

Porém, antes de continuar, preciso dizer que não sou, em hipótese alguma, o que você entende como uma pessoa normal, longe disso. Não se preocupe, nada de assassino serial ou pervertido virtual. Não sou capaz de fazer mal a uma mosca. O que aconteceu comigo é que nasci com certas habilidades, e elas não vieram de graça.

Passei bastante tempo em hospitais e clínicas psiquiátricas. Acreditei piamente que era perturbado, que precisava ser mantido sedado 24 horas por dia. Sentia dores de cabeça horríveis, a ponto de não conseguir sair da cama. Alucinações e pesadelos me atormentavam, e por isso eu tinha medo de dormir. E foi assim até o dia em que encontrei Alessa, ou melhor, ela me encontrou. Não pense em romantismos: Alessa foi e é um grande mistério na minha vida. Ela simplesmente surgiu do nada e disse: "Eu sei o que você é e posso te ajudar", desse jeito, sem rodeios.

No início a achei mais louca do que eu, e depois descobri o quanto ela pode ser persuasiva. Durante quase seis meses, Alessa me ajudou, e lentamente ganhou minha confiança. Todo dia de manhã estava na porta do meu apartamento, e às vezes passava o dia ao meu lado sem dizer palavra, mas quando falava, era impossível não prestar atenção. Eu achava curiosa a forma como ela se vestia, sempre alternando vestido preto e meia-calça roxa e vice-versa, fizesse calor ou frio. Com o tempo, suas explicações sobre minha condição começaram a fazer sentido, talvez por eu estar desesperado e descrente da medicina tradicional. E quando consegui controlar meus poderes, entendi que sem ela eu estaria perdido. Família? Isso é assunto para outra história.

Então Alessa propôs um acordo: forneceria uma droga capaz de acabar com meus problemas, em troca, eu deveria ajudá-la sempre que me procurasse. Ganhei uma amostra grátis e, surpreendentemente, a droga funcionou. Porém, tinha ação finita, e eu precisaria de doses regulares. Naquele momento percebi que estaria nas mãos de Alessa para sempre.

Do mesmo jeito que apareceu ela se foi, e passei a receber o medicamento todo santo mês, pelo correio, em um frasco de vidro verde sem marca.

Mas vamos voltar para Outro Preto. Cheguei bem no ínicio do Festival de Inverno, durante uma tarde fria. Os eventos que me interessavam estavam marcados para o início da noite, então, aproveitei para explorar os lugares próximos. A cidade estava cheia de turistas, mas longe das aglomerações do carnaval. Minha primeira parada seria o Museu da Inconfidência, localizado na Praça Tiradentes bem perto do meu hostel.

Após fazer o check-in, peguei minha jaqueta e segui pela rua Cláudio Manuel. É uma boa subida, por isso fui bem devagar, admirando os belos casarões coloniais de portas e janelas coloridas. Na praça, parei diante da estátua de Tiradentes para contemplá-la. Foi exatamente ali que a cabeça do mártir ficara exposta dentro de uma gaiola. E o mais macabro é que pouco depois, ela fora roubada, e até hoje não sabem quem foi o responsável.

Cheguei ao museu, um prédio majestoso. Após pouco tempo de fila, entrei e fiquei deslumbrado; era quase como voltar no tempo. No primeiro pavimento apreciei diversos objetos do cotidiano colonial: armas antigas, vestimentas e até obras literárias. Então, quando me dirigia para a sala onde os restos mortais dos inconfidentes estão sepultados, escutei uma voz familiar:

― Marcelo.

E em seguida um toque no ombro. Ao me virar, dei de cara com a última pessoa que eu queria encontrar. E não era a primeira vez que ela aparecia daquele jeito.

― Alessa! ― forcei um sorriso ―, que bom te ver! Mas afinal por que você não me manda uma mensagem? Ou pelo menos me liga para avisar que quer me ver?

― Você ainda não entendeu? ― ela piscou.― Assim é mais divertido.

Divertido uma ova, era um tormento. Contudo, por mais que eu quisesse fugir dali, tinha que cumprir o acordo. Ela me fitou com aqueles olhos amendoados por alguns minutos, então voltou a falar:

― Você tá de férias, não é?  Que tal a gente tomar um café? Eu pago.


O Artesão das TrevasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora